Segurança de profissionais de saúde e da educação de Araraquara durante a pandemia é debatida em audiência pública

Evento contou com grande participação popular e reuniu instituições de proteção ao trabalho decente, sindicatos e representantes da sociedade civil

Araraquara - Na tarde dessa quinta-feira (11/03), o Ministério Público do Trabalho (MPT) realizou uma audiência pública na modalidade virtual para debater a proteção dos profissionais de saúde e de educação no tempo de pandemia na cidade de Araraquara. O evento foi transmitido ao vivo pelo canal do MPT Campinas no YouTube e contou com grande participação popular.

Conduzida pelo procurador Rafael de Araújo Gomes, a audiência contou com a participação de representantes da Gerência Regional do Trabalho (GRT) de Araraquara, Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) de Araraquara e dos sindicatos que representam os servidores públicos, os professores e profissionais de saúde (SISMAR, SINSAÚDE e APEOESP). Os diretores do Hospital da UNIMED (Hospital São Paulo) e da Santa Casa de Araraquara, convidados pela organização, também puderam se manifestar sobre o tema.

Abrindo o evento, o procurador Rafael de Araújo Gomes fez uma breve análise sobre o cenário da pandemia em Araraquara, e como essa realidade está atingindo os profissionais de saúde, em especial aqueles que se ativam na linha de frente no combate à covid-19, bem como os professores.

O membro do MPT fez duras críticas à posição do Município de Araraquara de manter médicos, enfermeiros e socorristas idosos e com comorbidades trabalhando no combate à pandemia, tendo os seus pedidos de afastamento negados pela Secretaria de Saúde. A Procuradoria do Trabalho ajuizou ação civil pública contra a Prefeitura e obteve liminar para obrigar que a vida desses profissionais seja priorizada. “Isso tudo é não apenas errado, mas desumano. Temos que lembrar e render homenagem ao socorrista do SAMU que morreu ano passado após se infectar pela segunda vez, após ter o seu pedido de afastamento negado pelo Município”, lembrou Gomes.

O procurador citou estudos que mostram como o Brasil denega cuidados aos seus profissionais de saúde, mesmo sendo eles essenciais para salvar vidas. Segundo ele, desde o início da pandemia morreram 551 médicos e 646 enfermeiros no país, o que representa uma morte a cada 7 horas. De acordo com a Anistia Internacional, o Brasil ocupa o segundo posto no ranking mundial de mortes de profissionais de saúde, perdendo apenas para o México.

“Esses profissionais são aqueles que precisamos para salvar a vida dos outros. Se são removidos, não serão repostos. Proteger a vida e a saúde dos profissionais de saúde, portanto, é proteger a saúde da população, e isso não será garantido brutalizando e usando tais profissionais como se fossem descartáveis”, afirmou.

Finalizando a sua fala, Gomes afirmou ter a percepção do enorme prejuízo que o fechamento das escolas pode trazer às famílias de baixa renda e o “prejuízo irrecuperável” que tal medida pode causar, mas ponderou se há reais condições de segurança para o retorno às aulas. “Estamos no auge da pandemia no Brasil, temos uma nova cepa circulando, que já se tornou preponderante em Araraquara e vai se tornar no restante do país, que é bem mais contagiosa e mata e causa sequelas em pessoas mais jovens. A pergunta que temos que fazer é se temos condições de garantir segurança estrita nas escolas, particularmente a rede pública, para assegurar o retorno presencial neste momento”, disse.

O gerente regional do trabalho de Araraquara, Milton Bolini, fez uma rápida exposição sobre o tema com ênfase na proteção dos trabalhadores da educação, lembrando que vivemos um “momento extraordinário”, o que leva, inclusive, os empresários a ficarem “tão vulneráveis quanto os trabalhadores”.

Destacando a importância da atuação dos professores neste cenário pandêmico, Bolini elencou a necessidade de as unidades escolares manterem salas arejadas e protocolos de segurança rígidos dentro de seu ambiente para receber os alunos. Ele também apontou a “desconexão” das crianças com as escolas como um problema social grave, uma vez que elas podem servir de “elo de sobrevivência da família” e até como local para esclarecer dúvidas dos pais e estudantes sobre a pandemia, a fim de protegerem-se mais.

A gerente do CEREST Araraquara, Joanita Benincasa, fez uma comovente apresentação sobre as condições vividas pelos profissionais de saúde, especialmente durante a chamada “segunda onda” da doença. Ela atesta que há grande subnotificação de acidentes e doenças do trabalho em hospitais e unidades de saúde, de forma que não há como saber o número exato de profissionais adoecidos.

A expositora falou sobre os recorrentes casos de dupla jornada vividos por médicos e enfermeiros, e como isso está facilitando ainda mais o contágio. “Uma coisa me entristece muito. Quando eu faço contato com esses trabalhadores, percebo que eles estão se contaminando com uma covid diferente, com sequelas vasculares, pulmonares, cardíacas e depressivas. Depressivas porque alguém na casa deles morreu por causa da covid que eles trouxeram”, lamentou.

Joanita insistiu na importância do SESMT (Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho) em seu correto dimensionamento, a fim de proteger aqueles que mais se arriscam em tempo de pandemia. “Vejo vários estabelecimentos com SESMT descomprometido, colocando o trabalhador em jornada de 12 horas, no 15º dia após o afastamento por contágio. Cadê o SESMT? Como fica a atenção desse SESMT no retorno dos profissionais de saúde? Como fica o INSS desses trabalhadores?”, criticou. Em determinado momento da audiência, Joanita se emocionou e chorou, compadecendo-se da condição dos profissionais de saúde.

Ela encerrou a sua fala criticando as demissões que aconteceram no retorno ao trabalho de profissionais afastados por covid em Araraquara, lembrando que o CEREST tem pedido a emissão de CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) por parte dos empregadores e, em caso de recusa, tem referenciado os casos para os órgãos de fiscalização e de “maior competência”. “Quando o trabalhador precisava de proteção, de caridade, de um aconchego, chega para trabalhar e é demitido. Isso não pode mais acontecer”, finalizou.

Os representantes do SISMAR também se manifestaram sobre as dificuldades sofridas por profissionais de saúde e da educação no município. Para a secretária geral da entidade, Isabel Cristina Dias, médicos e enfermeiros sofrem por não receberem treinamento adequado, o que pode causar, muitas vezes, contaminação por procedimentos errados. “Recebemos relatos de que essa rotina está causando irritabilidade, insônia, angústia e desespero em quem está na linha de frente”, apontou.

A diretora seccional de educação da entidade, Bernadete Ferreira de Couto, criticou o retorno às aulas em tempo de pandemia, afirmando que, para o SISMAR, colocar os professores dentro de sala de aula nesse momento não é seguro. “A insegurança e o medo com relação à infecção são muito grandes. Defendemos que o ensino continue sendo remoto e que os professores possam ser colocados em grupos prioritários para receber a vacina”, afirmou.

Segundo a dirigente, de 22 de janeiro a 26 de fevereiro, período em que as aulas aconteceram na rede pública municipal de ensino de Araraquara, 31 professores testaram positivo, também contaminando 7 pessoas das famílias desses profissionais.

Bernadete chamou atenção para as dificuldades inerentes à manutenção do distanciamento social para professores e crianças menores. “A dinâmica de atendimento e acolhimento em relação às crianças menores é realizado através da aproximação do profissional com as crianças, através do afeto, do colo, do segurar na mão, e os protocolos não permitem isso. Como o professor vai acolher a criança na escola sem se aproximar da criança?”, perguntou.

Ela encerrou sua apresentação afirmando que os protocolos de segurança não foram colocados em prática nas escolas de Araraquara, e que elas não dispõem de pessoal de limpeza, EPIs e insumos de higiene em quantidade suficiente para uso dos profissionais.

A representante do Sinsaúde Campinas, seccional de Araraquara, Claudete de Fávera, apontou os grandes problemas enfrentados pelas categorias dos profissionais de saúde, como a dupla jornada (muitas vezes tripla, decorrente de dois vínculos empregatícios e obrigações domésticas), a rotatividade extrema e o descaso de parte dos empregadores. “Antes de sermos profissionais, somos humanos. Por estar diretamente lidando com a vida e a morte, temos o psicológico abalado e a sensação de impotência”, disse.

Claudete chamou atenção para a importância dos testes de vedação nas máscaras em hospitais e unidades de saúde, o que poucas vezes é realizado pelos empregadores, além da falta de qualidade recorrente dos EPIs. “Na maioria das vezes, as irregularidades não chegam ao dirigente sindical”, lamentou.

A conselheira estadual da APOESP, Neuza Ribeiro, concordou com o SISMAR sobre a impossibilidade do retorno às aulas enquanto não houver a vacinação de professores. Segundo ela, as escolas estaduais não possuem agentes de organização escolar, imprescindíveis para o cumprimento dos protocolos de segurança, além da falta de funcionários de limpeza e a “situação caótica” de muitas escolas, que não têm sequer ventilação adequada. “Recebemos máscaras finas, com falhas, além de face shields com problemas e em quantidade insuficiente. A luta em defesa da vida não é uma luta porque os professores não querem dar aula. Os professores tiveram que se reinventar para dar aula remotamente”, relembrou.

O evento foi concluído com a apresentação dos diretores do Hospital da Unimed – Hospital São Paulo, Antônio Carlos Durante, e da Santa Casa de Araraquara, Rogério Bartkevicius, que palestraram sobre os desafios vividos pelos hospitais na pandemia, e da importância da preservação da saúde física e mental dos profissionais.

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