Seara é condenada em R$ 3 milhões por terceirização ilícita

Campinas - A Seara Alimentos S.A, empresa do grupo JBS Foods, foi condenada pela Vara do Trabalho de Amparo ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 3 milhões por praticar terceirização ilícita de atividade-fim, utilizando mão de obra interposta para a realização de abates de frango no método Halal (em observância às regras do islamismo para o consumo de muçulmanos). A empresa Inspeção de Alimentos Halal Ltda., que fornece a mão de obra ao frigorífico, terá de pagar indenização de R$ 300 mil pela irregularidade. A ação é do Ministério Público do Trabalho em Campinas.

A ação civil pública foi movida após a conclusão de um inquérito que apontou irregularidades na relação contratual entre a Seara e a Inspeção de Alimentos Halal. Além da ilegalidade no fornecimento de mão de obra, caracterizada pela terceirização da atividade de abate de aves (essencial ao funcionamento do negócio, portanto, de responsabilidade exclusiva da Seara), foram colhidas provas que apontam para a precarização das condições de trabalho dos terceirizados, entre elas, a ocorrência de jornada excessiva, falta de pagamento de horas extras e adicional de insalubridade, alojamentos fora das normas legais e até casos de assédio moral.

A sentença condena a Seara a efetuar o registro de todos os trabalhadores que atuam no setor de abate de aves, “primordialmente os empregados da sangria”, deixando de utilizar contrato de prestação de serviços terceirizados para esta atividade na unidade de Amparo, sob pena de multa diária de R$ 50 mil por trabalhador encontrado em situação irregular, com reversão ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ou outra destinação social indicada pelo MPT.

A empresa Inspeção de Alimentos Halal deve deixar de atuar como intermediadora de mão de obra no setor de abate Halal na Seara de Amparo, sob pena de multa de R$ 10 mil por trabalhador em situação irregular, com reversão ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ou outra destinação social indicada pelo MPT.

A decisão tem fundamento jurídico na Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, que é contrária à mera intermediação de mão de obra, e em princípios constitucionais que garantem a dignidade da pessoa humana. O caso em questão se apoia no ordenamento que proíbe o mero fornecimento de trabalhadores de uma empresa a outra, o que configura a prática de “marchandage” – tratamento do trabalho humano como uma mercadoria.

“Com relação à terceirização na atividade fim da empresa tomadora, importante ressaltar que a presente ação foi ajuizada em 17.03.2016, ou seja, em data anterior à vigência das Leis 13.429/2017 e 13.467/2017, pelo que posiciono-me expressamente, no sentido de que a relação de direito material em análise será julgada conforme o ordenamento jurídico anterior à referida legislação, em respeito ao princípio tempus regit actum”, escreveu a magistrada Leandra da Silva Guimarães, fundamentando sua decisão com base na legislação anterior àquela sancionada em março do ano passado, que dispõe sobre novas regras para a terceirização, e à Lei que instituiu a “Reforma Trabalhista”.

Cabe recurso ao Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. As indenizações por dano moral coletivo serão destinadas a um fundo de direitos difusos ligado à melhoria das condições de trabalho ou a instituições ou programas/projetos públicos ou privados, sem fins lucrativos, a serem indicados pelo MPT no trânsito em julgado.

Halal - A prática Halal consiste no abate de animais de acordo com a religião muçulmana. Todos os sangradores devem professar a fé islâmica, independente da sua nacionalidade. Pela regra da religião, cada trabalhador não pode abater mais de 53 aves por minuto, pois deve proferir as palavras Bismillah (nome de Deus) ou Allaju Akbar (Deus maior). A nória, ou transportador aéreo para o corte e sangramento de animais, deve estar posicionada seguindo a direção de Meca.

Inquérito – Em setembro de 2014, os auditores fiscais do Ministério do Trabalho aplicaram um total de 83 autos de infração contra a Seara, todos decorrentes da precarização encontrada no meio ambiente de trabalho. A ação fiscal foi acompanhada por dois procuradores do MPT.

Segundo depoimentos, apesar da regra islâmica não permitir o abate de número superior a 53 aves por minuto, os trabalhadores, em sua maioria estrangeiros, relataram que a velocidade média da nória é em torno de 135 a 140 aves por minuto. Há relatos de constantes dores nos ombros e braços. Também foram constatados casos de jornada excessiva, com registro de trabalhadores que se ativam em dois turnos ininterruptos (início às 05:30h da manhã e término às 00:30h, com pausas no meio da jornada). Um dos trabalhadores disse em depoimento que chegou a dormir na fábrica.

Os trabalhadores, vindos de países como Paquistão, Bangladesh, Marrocos, entre outros, eram arregimentados pela empresa terceirizada em mesquitas da Grande São Paulo e levados para trabalhar em frigoríficos em diversas regiões do país. Os empregados ouvidos pelo MPT disseram não ter ciência das cláusulas contratuais, pois não sabem ler no idioma português.

Os depoimentos relatam também as condições insalubres da linha de produção. Os empregados não recebem equipamentos de proteção adequados para o trabalho, além de serem submetidos à sujeira na linha de produção. Os empregados terceirizados não recebem o adicional de insalubridade pelo trabalho realizado na planta da Seara em Amparo.

Há relatos de xingamentos, ameaças e humilhações por parte dos supervisores, inclusive forçando o trabalhador a aprender sua tarefa sob pressão mediante a aplicação de chutes.

Processo nº 0010397-37.2016.5.15.0060

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