MPT verifica jornada de motoristas em estradas do interior de São Paulo

Operação realizada em conjunto com a Polícia Rodoviária Estadual flagrou jornadas abusivas, que variam de 14 a 20 horas consecutivas; procuradores afirmam que mudanças na Lei do Motorista trarão grande retrocesso

 

 

Campinas, 26/08/2014 – O Ministério Público do Trabalho realizou nos dias 21 e 22 de agosto uma operação conjunta com a Polícia Rodoviária Estadual em estradas do interior paulista, nas cidades de Araraquara, Campinas, Ribeirão Preto e Santa Rita do Passa Quatro, com o objetivo de verificar o cumprimento da Lei nº 12.619/12, conhecida como a “Lei do Motorista”, que regulamenta a jornada diária de trabalho do motorista profissional.

Os procuradores se dividiram em quatro pontos de fiscalização para verificar a jornada de trabalho dos motoristas, por meio do equipamento conhecido como tacógrafo, pela anotação de jornada e depoimentos tomados nos locais. A diligência aconteceu nas rodovias Anhanguera (alturas de Ribeirão Preto e Santa Rita do Passa Quatro), Bandeirantes (em Campinas) e Washington Luís (em Araraquara).

A lei atualmente em vigência prevê a obrigação de paradas de 30 minutos a cada 4 horas dirigidas, no sentido de preservar a saúde dos motoristas e reduzir os acidentes nas estradas que decorrem do excesso de cansaço atrás do volante. Recentemente, o Congresso Nacional aprovou alterações nessa lei, que ampliam para 6 horas consecutivas de direção sem a necessidade de paradas, e abre a possibilidade de jornadas de até 12 horas, o que foi considerado pelo Ministério Público do Trabalho um “retrocesso”, pois aumenta o tempo de direção e exclui a remuneração dos trabalhadores, possibilitando, inclusive, um aumento no número de vítimas no trânsito. Ainda não houve a sanção pela Presidência da República.

Em evento realizado no ano passado, em Campinas, que abordou o tema da jornada de motoristas, o procurador-geral do Trabalho, Luís Camargo, lamentou a possibilidade do citado “retrocesso”, e afirmou que boa parte das transportadoras e empresas de logística tratam a questão como uma “coisificação” do trabalhador. “Estamos num sistema de produção que tira a dignidade do trabalhador, transformando-o em uma “coisa”. Estamos criando um exército de mutilados, doentes e de pessoas que perdem sua capacidade para o trabalho. Essa conta não fecha se não houver plena consciência da sociedade sobre a mudança dessa cultura laboral”, afirmou Camargo, com base nos gastos anuais do poder público com o sistema de saúde e previdência, que atingiu a casa dos R$ 100 bilhões.

Operação – Em Campinas foram parados 10 caminhões, lavrados 7 termos de depoimento e 3 autos de infração foram aplicados pela Polícia. Os procuradores Éverson Rossi e Carolina Marzola Hirata Zedes flagraram um motorista trabalhando há 16 horas e 30 minutos, que fez pequenas pausas de 5 a 10 minutos, em total desacordo com a lei. A média total de jornada foi de 11 horas e 30 minutos, incluindo descansos.

A lei trouxe uma melhoria notável nas relações de trabalho, com a observação de jornadas dentro de um padrão aceitável, com exceções, ao contrário do que se via em operações realizadas em anos anteriores. Isso mostra o quanto a Lei do Motorista trouxe benefícios aos trabalhadores e a toda a sociedade”, afirma a procuradora Carolina Marzola Hirata Zedes.

Em Santa Rita do Passa Quatro, o procurador Rafael de Araújo Gomes, juntamente com a Polícia Rodoviária, parou 21 caminhões. A polícia recolheu 7 documentos e lavrou 7 autos de infração; quatro motoristas foram ouvidos pelo MPT. O caso de maior jornada de trabalho atingiu as 14 horas. Houve ainda três casos de tacógrafo com problemas.

De fato, houve melhorias nos casos de jornada excessiva após o advento da lei. Contudo, com as alterações aprovadas pelo Congresso Nacional, o problema pode retornar, já que há previsão de jornada normal de 12 horas, exclusão de limite de carga em alguns casos e até restrições à fiscalização da Polícia Rodoviária”, lamenta o procurador.

Em Ribeirão Preto, a procuradora Regina Duarte da Silva abordou 12 veículos, flagrou 3 tacógrafos vencidos e um avariado e tomou o depoimento de 10 trabalhadores. A maior jornada observada neste trecho foi de 12 horas consecutivas.

Na Rodovia Washington Luis, em Araraquara, a procuradora Lia Magnoler Guedes de Azevedo Rodriguez se deparou com um caso grave de jornada abusiva: no período de 24 horas, o motorista havia feito pequenos descansos durante a jornada, de 30 minutos a 1 hora, totalizando apenas 4 horas de repouso. Ou seja, no total, contabilizou-se uma jornada de 20 horas. Naquele trecho, o MPT e a Polícia Rodoviária abordaram 13 veículos, sendo que quatro deles apresentaram problemas no tacógrafo, o que resultou em autos de infração. Os policiais ainda multaram quatro motoristas por infrações de trânsito.

As empresas cujos funcionários foram flagrados em jornada excessiva serão investigadas pelo Ministério Público do Trabalho, sendo notificadas a prestarem esclarecimentos.

Uma jornada de trabalho de 20 horas é desumana, cruel, inaceitável, que cria risco iminente de morte ao motorista e às pessoas ao seu redor. No Brasil, o segmento de transporte de carga é o 6º da economia com maior número de acidentes. Em número de acidentes com óbito, supera o setor da construção civil”, lamenta Rafael de Araújo Gomes, citando os resultados do anuário estatístico do INSS, que aponta para uma média de 16 mil acidentados/ano.

Lei e acidentes –a Lei nº 12.619/12 determina que em viagens de longa distância com condução compartilhada entre dois motoristas, deve haver o descanso mínimo de seis horas com o veículo estacionado, em cabine leito, ou em acomodação externa fornecida pelo empregador. Além disso, a legislação ainda vigente prevê paradas de 30 minutos, pelo menos, a cada quatro horas de direção contínua, e uma hora de almoço.

A lei reforça as obrigações do empregador já previstas na Constituição Federal de 1988, em relação à jornada de trabalho máxima de 8 horas, e na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), quanto aos intervalos de descanso e teto de horas extras.

De acordo com o Anuário Estatístico das Rodovias Federais 2010, elaborado pelo DNIT e pelo Departamento da Polícia Rodoviária Federal, ocorreram naquele ano apenas nas estradas federais (excluídas, portanto, as estaduais e municipais) 182.900 acidentes, sendo 7.073 fatais e 62.067 com feridos. Nesses acidentes morreram 8.616 pessoas, e 102.896 ficaram feridas.

De acordo com o Denatran, o Brasil encerrou o ano de 2010 com 64,8 milhões de veículos. E segundo a ANTT, a frota de veículos usados no transporte de carga é de 2.130.662. Isso significa que, muito embora os veículos utilizados no transporte rodoviário de carga correspondam a apenas 3,2% da frota de veículos terrestres do país, eles estão envolvidos em 28,6% das mortes, 18,9% dos acidentes com feridos e 25% do total de acidentes ocorridos em estradas federais.

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