Empresa de merenda escolar é condenada em R$ 2 milhões por acordo ilegal e descontos indevidos

Geraldo J. Coan desconta 15 dias de salários dos empregados durante recesso escolar; para procurador, prática ilegal transfere custos da operação ao trabalhador

 

Por Camila Correia

Campinas – A Geraldo J. Coan & Ltda, uma das maiores fornecedoras de refeições prontas para merendas do país, foi condenada pela Justiça do Trabalho ao pagamento de indenização no valor de R$ 2 milhões por extrapolar os limites da negociação coletiva e inserir cláusula nula em acordo coletivo. A sentença, proferida pela 3ª Vara do Trabalho de Campinas, atende parcialmente aos pedidos feitos em ação civil pública pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). De acordo com a decisão, a empresa também deve pagar os 15 dias faltantes de salários (com incidência em FGTS, 13º salário, férias, etc) a todos os seus empregados. Numa primeira estimativa do MPT, essas diferenças correspondem a, pelo menos, R$ 4,7 milhões.

O inquérito contra a Coan teve início com o encaminhamento de uma sentença de um processo individual em que foi constatada a inclusão, em norma coletiva, de cláusula contrária à legislação trabalhista no que diz respeito à remuneração nos períodos de recesso escolar. Em acordo coletivo com o Sintercoj (Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Refeições Coletivas, Refeições Convênio, Cestas Básicas, Cozinhas Industriais, Restaurantes Indústrias, Merenda Escolar, Fornecedoras de Refeição para Passageiros de Aeronaves de Jundiaí e Região), a empresa previu o não pagamento integral dos salários durante os meses de junho, julho e dezembro de 2008 e janeiro e fevereiro de 2009. Outras normas coletivas, firmadas com outras entidades, em diferentes bases territoriais, reproduziram as mesmas cláusulas.

Os termos exatos da “Cláusula 4ª – Férias e Recesso Escolar” eram: “Os dias excedentes do recesso escolar serão pagos na proporção de 50% (cinquenta por cento) sobre os dias não trabalhados, sendo que, os outros 50% (cinquenta por cento), serão considerados como licença não remunerada”. Ou seja, a Coan excluiu a remuneração em períodos de férias escolares, em que o contrato de trabalho fica vigente e o empregado permanece à disposição da empresa. Segundo a investigação do MPT, também foram firmados acordos com outros sindicatos que abrangiam as demais localidades em que a empresa presta serviços.

O MPT tentou firmar acordo extrajudicial com a empresa, mas houve negativa. Na ocasião, ela alegou que, por ter se pautado em acordos coletivos, considerava indevido o pagamento de diferenças salariais aos trabalhadores ou a restituição dos descontos. Por outro lado, vários sindicatos, reconhecendo a ilegalidade das cláusulas, firmaram TAC para cessar a conduta lesiva, a qual, em cinco anos, já havia rendido mais de R$ 4 milhões em vantagens para a Coan, conforme levantamentos.

O procurador e autor da ação, Nei Messias Vieira, supõe que a cláusula decorra da redução da atividade da empresa nesses períodos. “O período de licença forçada pelo empregador é tempo de trabalho. A empresa buscou a solução mais fácil, transferiu o custo aos trabalhadores e isso é inaceitável. O salário permite a subsistência do trabalhador e assegura uma vida digna, motivo pelo qual, inclusive, recebe especial proteção da legislação. A conduta da ré configura clássico “dumping” social, que nada mais é do que agressão aos direitos trabalhistas com obtenção de vantagem indevida sobre a concorrência”, afirma.

Sentença - Além das obrigações relativas aos pagamentos, o juiz Gustavo Triandafelides Balthazar condenou a Geraldo J. Coan & Ltda a afixar na sede da empresa e do sindicato e noticiar nos contracheques dos empregados ativos, por três meses consecutivos, a existência da ação e a decisão desfavorável à cláusula coletiva, sob pena de multa de R$ 50 mil por obrigação descumprida. Os valores a serem pagos pela empresa aos trabalhadores deverão ter incidência sobre as demais verbas trabalhistas, como 13º salário, férias e INSS. O MPT pediu a destinação dos valores referentes à indenização por danos morais (R$ 2 milhões) à promoção de políticas públicas no município de Campinas (com indicação do próprio MPT). 

Cabe recurso ao Tribunal Regional do Trabalho de Campinas (TRT).

Outro caso – No início de 2012, o Ministério Público do Estado de São Paulo denunciou a chamada "Máfia da Merenda" à Justiça Estadual. A ação denunciava sócios e funcionários da Geraldo J. Coan, além das empresas SP Alimentação, Nutriplus, Sistal, De Nadai e Terra Azul, além de advogados e funcionários públicos, pelos crimes de formação de cartel, lavagem de dinheiro, fraude a licitação, formação de quadrilha e corrupção ativa e passiva. Os envolvidos foram acusados de fazer parte de um esquema que fraudava licitações e corrompia prefeitos para conseguir contratos de fornecimento de merenda escolar terceirizada. Depois de conseguir os contratos, as empresas apresentavam preços superfaturados e, em troca, pagavam uma parte em forma de propina a prefeitos e funcionários públicos.  O sistema foi estabelecido em pelo menos 57 cidades do Estado de São Paulo.

Processo nº 0001988-31.2013.5.15.0043

Foto: Yvonne Duivenvoorden / Divulgação

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