MPT processa Município de Motuca por fraude na terceirização da saúde

Prefeitura firmou convênio com organização social cujo presidente era o secretário de saúde do Município; procurador pede fim da terceirização e do repasse de verbas ao convênio

 

Araraquara - O Ministério Público do Trabalho ingressou com ação civil pública em face do Município de Motuca e da Associação dos Servidores e Funcionários Municipais de Motuca, pedindo o fim da terceirização do serviço de saúde pública, da intermediação de mão de obra (prática conhecida como “marchandage”) e do repasse de recursos públicos para o convênio. Também são réus no processo o ex-prefeito de Motuca, João Ricardo Fascineli, o atual chefe do Executivo, Celso Teixeira Assumpção Neto, o ex-secretário de saúde e ex-presidente da Associação dos Servidores, Márcio Aparecido Contarim, e a atual presidente da entidade, Aparecida Pereira dos Santos Santana. 

O MPT requer a condenação de cada um dos réus ao pagamento de, no mínimo, R$ 50 mil (incluindo o Município e a Associação), totalizando uma quantia não inferior a R$ 300 mil. O Ministério Público ainda pede que a Associação dos Servidores deixe permanentemente de fornecer mão de obra para terceirização de atividades-fim de município e estados relacionadas à prestação de serviço público de saúde.

A forma de contratação irregular chegou ao conhecimento do MPT por meio de uma reclamação trabalhista movida por uma ex-agente de saúde contratada pela Associação para o Programa de Saúde da Família (PSF). Nos autos do processo fica claro que a prefeitura de Motuca, juntamente com a organização social, pratica o chamado “marchandage”, um tipo de contratação visando a mera intermediação da mão de obra (em caso de empresas, o lucro pelo trabalho alheio), dando ao Município liberdade de admitir e demitir empregados sem a necessidade de cumprir a lei destinada à administração pública. Segundo investigado pelo procurador Rafael de Araújo Gomes, a terceirização na saúde de Motuca é abrangente. Ela acontece em postos de saúde, programas de atendimento domiciliar (como o PSF), em serviços de medicina, odontologia, enfermagem e até para preencher vagas de motorista.

Contudo, não foi apenas o método de contratação que preocupou o MPT. Tanto o Município quanto a Associação deixaram de entregar documentos importantes que comprovassem o convênio firmado entre as partes, inclusive cópia dos próprios contratos. A prefeitura alegou dificuldade no “acesso a tais informações”, já que a documentação sempre ficou a cargo de escritórios de contabilidade contratados “por conta” da Associação, de modo que milhões de reais teriam sido repassados pelo Município à Associação, sem que o Município possuísse sequer cópia dos principais documentos. Já a Associação simplesmente deixou de entregar a documentação exigida pelo MPT. “Tais documentos, pelo visto, “perderam-se”, não obstante a continuidade dos repasses de dinheiro público, em quantias elevadas, realizados tendo por justificativa a existência desses termos”, observa o procurador.

Prestação de contas – dos documentos que puderam ser obtidos, concluiu o Ministério Público que não há qualquer tipo de prestação de contas pelos serviços prestados, apenas há a formalização de requerimentos para transferência de recurso financeiros. “Em momento algum as “prestações de contas” mencionam os serviços supostamente prestados em decorrência do convênio, em termos, por exemplo, de quantidade de pacientes atendidos pelos médicos, números de chamadas e atendimentos realizados por agentes de saúde, metas de execução do Plano de Ação do convênio, etc. Por outro lado, simplesmente todas as despesas havidas pela Associação, inclusive limpeza de seu prédio, são transferidas ao Município.  E esta escandalosa promiscuidade administrativa e trabalhista perdura há inacreditáveis 13 anos!”, afirma Gomes.  

Como exemplo do montante investido pelo Município, um termo de prorrogação referente ao ano de 2011 previu como valor pactuado R$ 638 mil, mas os relatórios de empenho comprovam que nesse mesmo ano foram pagos mais de R$ 909 mil; no ano seguinte, a diferença foi ainda maior, com a mesma previsão de gatos no importe de R$ 638 mil, mas com gastos reais superiores a R$ 1 milhão.

Fraude – A prova documental reunida revela ainda que, entre os anos de 2011 e 2012, o então secretário municipal de saúde, Márcio Aparecido Contarim, assinou o convênio com a Associação dos Servidores sendo na época simultaneamente representante do Município e presidente da própria Associação. “Trata-se no plano da realidade de um convênio de si (Município) consigo próprio”, explica Gomes.

Os editais para contratação lançados pela Associação deixaram claro que se trata de processo seletivo “para provimento de emprego público temporário abaixo relacionado”. Um deles, de 2011, esclarece, em letras garrafais, que o edital constitui uma publicação da “Prefeitura Municipal de Motuca”.    

“A prova documental revela, de forma muito contundente, que não se está aqui diante de um genuíno caso de terceirização ilícita, pois não há de fato um terceiro prestando um serviço ao estado. O que temos é um ente privado [a associação de servidores] que foi apropriado e incorporado pelo Município, e que funciona na prática como um órgão municipal, um prolongamento da Secretaria de Saúde, não gozando de qualquer tipo de independência, sendo a fraude, sob a forma de intermediação de mão de obra, cometida para evitar que os trabalhadores fossem registrados em nome do Município, único e real empregador, podendo-se suspeitar, também, da prática de desvios de dinheiro público, dada a condição completamente irregular do alegado convênio”, finaliza o procurador.

A ação tramita na Vara do Trabalho de Américo Brasiliense. Cópia dos documentos foi enviada ao Ministério Público Federal e ao Ministério Público Estadual, para fins de possível responsabilização criminal e por improbidade.  

Processo nº 0010201-69.2015.5.15.0006

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