Seminário em Franca discute formas de erradicação do trabalho infantil

De iniciativa do Fórum para Erradicação do Trabalho Infantil de Franca, evento contou com equipe multidisciplinar de conferencistas, no sentido de trocar informações e fortalecer as ações de combate à prática

Franca - Em 2013 havia 61 mil crianças de 5 a 9 anos em situação de trabalho infantil no país. Na faixa etária de 10 a 13 anos, eram 446 mil e entre 14 a 15 anos, na qual a aprendizagem de trabalho é permitida, o número ultrapassava os 800 mil. Quanto aos adolescentes de 16 a 17 anos, o número era ainda maior, 1,875 milhão. Estes dados preocupantes, que mostram o cenário recente do trabalho infantil no Brasil, vêm desencadeando ações interinstitucionais e instalando novos paradigmas de combate à prática; foi o que se viu em Franca na última sexta-feira (27), na realização do seminário “O trabalho decente sob a ótica da erradicação do trabalho infantil e do trabalho seguro do adolescente: todos juntos pelo direito à proteção integral”, promovido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, com apoio do Ministério Público do Trabalho e de iniciativa do Fórum para Erradicação do Trabalho Infantil de Franca.

O encontro reuniu em um só lugar as maiores autoridades no assunto, todas pertencentes a instituições públicas, organizações e quadros da sociedade civil responsáveis por ações pela erradicação do trabalho infantil. O objetivo do seminário foi subsidiar a troca de informações e a aproximação institucional, no sentido de otimizar o trabalho de combate. O MPT foi representado pela procuradora-chefe da 15ª Região, Catarina von Zuben, e pelos procuradores da Coordinfância (Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente) Rafael Dias Marques e Regina Duarte da Silva.

O evento foi aberto pelo psicólogo e autor de livros sobre a temática da infância e da adolescência, Ivan Roberto Capelatto. O conferencista utilizou-se de fundamentação técnico-científica para mostrar a interferência do trabalho precoce na educação e aprendizagem de menores de 18 anos, assim como os malefícios à autoestima trazidos pela ausência de um ambiente saudável e de parceria familiar. Para Capelatto, é preciso que a criança seja desejada e cuidada pelos pais e sociedade, daí a importância da união de esforços, via leis, família e escola, num grande projeto para buscar parcerias e eliminar o trabalho infantil.

A presença de educadores, psicólogos e especialistas em áreas diversas do conhecimento foi importante para explicar estatísticas relacionadas à evasão escolar e doenças decorrentes do trabalho. No que diz respeito às piores formas de trabalho infantil, a maior incidência é em famílias mais pobres. Das crianças que trabalham, 80,2% estudam e tem baixo rendimento escolar; 33,2% trabalham no campo, sendo que mais de 60% tem menos de 14 anos. As consequências são trágicas: óbitos, adoecimentos e acidentes de trabalho, além do risco de aliciamento para uso e tráfico de drogas e exploração sexual. Nos últimos sete anos, registrou-se a ocorrência de 17.000 acidentes de trabalho envolvendo crianças e adolescentes no Brasil (Sistema de Informação de Agravos de Notificação - SINAN/ Ministério da Saúde).

A cientista social e secretária executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), Isa Maria de Oliveira, apresentou o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil, apontando os avanços da legislação brasileira, em especial a garantia dos direitos da criança a partir da inauguração do marco legal, a Constituição de 1988 e a Convenção dos Direitos da Criança em 1990. Ela também assinalou os desafios diante do compromisso do governo brasileiro de erradicar o trabalho infantil, eliminando as piores formas até 2016 e todas as formas até 2020, reforçando a necessidade de se combater o trabalho infantil doméstico, onde estima-se, existam mais de 200 mil meninas de 5 a 17 anos. "Temos que priorizar a escolarização, que é obrigatória, investir em fiscalização e monitoramento das cadeias produtivas e, sobretudo, cumprir a legislação, com adoção de mecanismos para evitar o retrocesso social", aponta.

Juizado Especial - a experiência do Juizado Especial da Infância e da Adolescência (JEIA), instalado pela Justiça do Trabalho da 15ª Região em novembro do ano passado em Franca, foi tema de uma mesa-redonda, com a presença da juíza titular da 2ª Vara do Trabalho de Franca e coordenadora do JEIA de Franca, Eliana dos Santos Alves Nogueira, a defensora pública do Estado da Regional Ribeirão Preto – unidade Franca, Mariana Carvalho Nogueira e a procuradora do Trabalho em Ribeirão Preto, Regina Duarte da Silva, que apresentaram os primeiros resultados da parceria bem sucedida para combater o trabalho infantil na região. Nos três primeiros meses de funcionamento, o JEIA recebeu 80 pedidos de autorização para o trabalho de jovens entre 14 e 16 anos. "Todos foram negados e as crianças, encaminhadas para o SENAC, SENAI e CIEE", ressaltou a juíza Eliana. Os adolescentes recebem uma bolsa de R$ 400, custeada por verbas oriundas de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) firmados entre empresas e o MPT.

Na sequência, o gerente regional do Trabalho e Emprego do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE/ Campinas), João Batista Amâncio, abordou os malefícios causados pelo trabalho precoce do ponto de vista clínico e de segurança, reforçando a necessidade de se respeitar a idade mínima para o trabalho do ser humano.

A conferência de encerramento teve como tema o “Trabalho infantil envolvendo o núcleo familiar: estratégias de combate e responsabilização da cadeia produtiva”, promovida pelo procurador do MPT no Pará e Amapá, Rafael Dias Marques. Ao final do evento – que contou com o apoio do MPT, SENAI, Defensoria Pública do Estado de São Paulo e do Sindicato da Indústria de Calçados de Franca (Sindifranca) – foi divulgada e aprovada a Carta de Franca para Erradicação do Trabalho Infantil.

 

Com informações da Ascom TRT-15

Foto: Ascom TRT-15

 

Íntegra da “Carta de Franca”:

Os participantes do Seminário"O trabalho decente sob a ótica da erradicação do trabalho infantil e do trabalho seguro dos adolescentes: todos juntos pelo direito à proteção integral", promovido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, por seu Comitê de Erradicação do Trabalho Infantil; Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Programas de Combate ao Trabalho Infantil e Trabalho Seguro da Justiça do Trabalho, Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil – FNPETI e Fórum de Erradicação do Trabalho Infantil de Franca-SP, com o apoio do Ministério Público do Trabalho, Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI e SindFranca, reunidos em 27 de Março de 2015, na cidade de Franca-SP, manifestam a sua convicção de que abolir o trabalho infantil e assegurar educação básica dos quatro aos dezessete anos, universalizada, gratuita, de qualidade, atrativa, integral e em tempo integral e que propicie o desenvolvimento completo de crianças e adolescentes, inclusive qualificação profissional adequada para os últimos, são direitos fundamentais que promovem a felicidade e a dignidade do ser humano, desde a sua mais tenra idade, e, como tais, deveres do Estado, compartilhados com a família, a sociedade e a comunidade, como parte da proteção integral e absolutamente prioritária que deve ser devotada a esses seres em peculiar condição de desenvolvimento, sendo certo também que:

1) O trabalho infantil é grave violação de direitos humanos. Intolerável que, já na metade da segunda década do Século XXI, tenhamos ainda 3,188 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos sendo explorados como fonte de mão-de-obra barata e precarizada, mais de meio milhão deles com menos de 13 anos, em faixa etária absolutamente proibida.

2) O trabalho infantil entrou na agenda nacional em 1992, a partir do ingresso do Brasil no Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC), da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O Brasil avançou, tornando-se referência mundial de luta contra esse flagelo. Entretanto, para cumprir compromissos internos e internacionais assumidos, de até 2016 abolir as piores formas e até 2020 todas as formas de trabalho infantil, é necessário conferir absoluta prioridade ao enfrentamento do problema, acelerando o processo de erradicação.

3) O combate ao trabalho infantil, para ser eficaz, não pode ser luta solitária. Deve resultar de ações articuladas, integradas e em rede, que envolvam os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, o Ministério Público, os veículos de comunicação social, a família, a sociedade e a comunidade. Somente a prevenção e a conscientização sobre os malefícios e a perversidade da substituição da infância, da educação e de qualquer perspectiva de vida digna e trabalho decente, pelo ingresso prematuro no mercado de trabalho, aliadas a uma política de repressão aos exploradores e proteção e inclusão de crianças e adolescentes explorados, transformarão a realidade cruel de hoje em reminiscência histórica futura.

4) O trabalho em idade precoce decorre de inúmeros fatores, dentre eles a miséria, a ausência da educação formal (escola) e informal (baixa qualidade afetiva na família). Danos psicológicos, fisiológicos e sociais surgirão, principalmente o aparecimento da "necessidade afetiva" de buscar um cuidador, a qualquer custo, numa dinâmica psicológica chamada "transferência", o que coloca a criança ou o adolescente como "reféns" do "patrão" explorador (trabalho no campo, fábricas, empresas sem escrúpulos) assim como do manipulador social (o traficante, o gigolô, o pedófilo). Investir na família (com apoio social e se necessário com a adoção de medidas legais), na escola (tornar o ensino um prazer) e na sociedade (penalizar duramente os infratores) é uma tarefa que necessita ser estimulada tanto nos meios de poder (ministérios, secretarias, judiciário, etc.) como na conscientização moral das pessoas.

5) Aos Juizados Especiais da Infância e Adolescência – JEIAs, do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, e à Justiça do Trabalho como um todo, cabe dar resposta efetiva e adequada aos infratores e à sociedade, fazendo com que a Constituição e as leis do País sejam respeitadas, de modo a não tolerar trabalho antes da idade mínima permitida.

6) O fortalecimento, onde já existirem, e a criação, onde ainda não instalados, de Fóruns Municipais e Regionais de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, são imprescindíveis para assegurar ações articuladas, estruturadas e em rede, de combate ao trabalho infantil, das quais devem efetivamente participar Juízes do Trabalho, Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho e Emprego, Defensoria Pública, sindicatos, associações, advogados e todos aqueles que, de alguma forma, atuem na área, para viabilizar alternativas de inclusão e assegurar o direito ao não trabalho de crianças e adolescentes.

7) Nos termos do artigo 114, I, da Constituição da República, à Justiça do Trabalho compete analisar todas as questões envolvendo trabalho humano, com ou sem vínculo empregatício, incluídos pedidos de permissão, na área artística ou qualquer outra, formulados por crianças e adolescentes. Esse ramo especializado do Judiciário assumiu posição institucional proativa e ostensiva na luta pela erradicação do trabalho precoce com o "Programa de Combate ao Trabalho Infantil" da Justiça do Trabalho, lançado no final de 2013 e que hoje envolve todos os 24 Tribunais Regionais do Trabalho do País.

8) A aprendizagem verdadeira, que respeita a legislação e o direito de o adolescente receber educação profissionalizante, que promove a qualificação, é a forma adequada de preparação para o ingresso no mercado de trabalho cada vez mais competitivo.

9) O trabalho, para ser realizado de forma adequada, necessita de vários elementos. Um deles, fundamental, é a capacidade física e psicológica do trabalhador, que só estará plenamente desenvolvida, segundo estudiosos, por volta dos 20 anos. Trabalhar antes desta idade compromete a sua saúde física e mental.

10) Não há mais espaço, no mundo globalizado, para a irresponsabilidade de corporações econômicas, nacionais e transnacionais, no que diz respeito às ameaças de lesão ou violação de direitos humanos, em especial ao direito fundamental ao não trabalho de crianças e adolescentes. A responsabilidade social implica não admitir, ainda, a exploração de trabalho infantil em quaisquer etapas de sua cadeia produtiva ou de influência, sob pena de ser responsabilizada pelos danos causados, tanto individuais como coletivos. Franca, 27 de Março de 2015.

 

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