Tribunal confirma condenação de empresa pública de Sorocaba que discriminou trabalhador de cabelos compridos

Agente de trânsito da URBES foi dispensado por justa causa porque se recusou a cortar o cabelo; segundo Tribunal, empresa feriu “a dignidade, a igualdade e os direitos fundamentais“ do trabalhador

 

Por Camila Correia 

Sorocaba, 04/09/2015 – A 2ª Turma de desembargadores do TRT (Tribunal Regional Regional do Trabalho) da 15ª Região indeferiu recurso movido pela URBES (Empresa de Desenvolvimento Urbano e Social) de Sorocaba, confirmando a condenação da empresa a excluir de seu Regulamento Interno qualquer regra ou imposição aos agentes de trânsito que os obrigue a adotar padrões estéticos no exercício de suas atividades. A decisão atende aos pedidos feitos em ação civil pública pelo Ministério Público do Trabalho, que processou a empresa pública após a demissão de um funcionário que se recusou a cortar os cabelos compridos e, por isso, foi demitido por justa causa. A prática ilegal foi enquadrada como um ato de “discriminação estética”. Pelos danos morais causados à coletividade, a URBES deve pagar indenização de R$ 50 mil, valor que será revertido “em prol da comunidade local”.

O inquérito foi instaurado após o procurador Gustavo Rizzo Ricardo receber uma denúncia, juntamente com cópia do “Regulamento Disciplinar de Agentes de Trânsito”, informando o cometimento da irregularidade trabalhista. Segundo investigado, um servidor de cabelos longos foi dispensado por justa causa, com base no artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (justa causa), por ato de indisciplina e insubordinação. O MPT teve acesso à chamada “Ficha de Implementação”, utilizada pelo setor de recursos humanos da URBES para fazer referência às características particulares dos empregados, como por exemplo, cor da pele, cabelo e do uso ou não de barba e bigode.

Segundo o artigo 11 do “Regulamento Disciplinar de Agentes de Trânsito”, em seu inciso LI, ao agente é vedado “usar, quando em serviço, adornos, piercings e tatuagens que possam prejudicar a apresentação pessoal, bem como, o uso de brincos no caso de agentes do sexo masculino”. O inciso LIV do mesmo artigo afirma a proibição de “apresentar-se ao serviço uniformizado com costeleta, barbas ou cabelos crescidos, bigode ou unhas desproporcionais”. Mais à frente, no artigo 12, o regulamento elenca as obrigações do agente com relação à aparência; o inciso X obriga o agente a “manter a higiene pessoal e cuidados necessários quanto à maquiagem leve e bigodes aparados e barba feita no caso dos agentes masculinos”. A URBES utilizou-se deste artigo (12) para fundamentar a dispensa do servidor que possuía cabelos longos, até próximo à cintura.

Para Rizzo Ricardo, a dispensa foi abusiva e atentatória à dignidade do trabalhador, desrespeitando princípio constitucional básico, de forma a configurar um ato de “discriminação estética”. “A conduta da empresa não pode afastar o dever de observância da necessária igualdade entre os seres humanos que participam da relação de trabalho, não pode afrontar a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho, ao ponto de impor a uma das partes, no caso, o empregado, tratamento degradante que viola sua honra e sua autoimagem”, afirma o procurador. 

Com base na Constituição da República, que estabelece a igualdade entre as pessoas, independente de credo, raça, sexo, cor idade e quaisquer outras formas de discriminação, e com base em normas internacionais de direitos humanos, ratificadas pelo Brasil, que proíbem qualquer tipo de distinção, exclusão ou preferência no tratamento no emprego ou profissão (como a Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho), o MPT ingressou com ação civil pública pedindo o fim da “discriminação estética” e também a condenação da URBES por danos morais coletivos.

Acórdão - os desembargadores ratificaram a determinação do juiz titular da 3ª Vara do Trabalho de Sorocaba, Walter Gonçalves, de excluir os artigos 11, LI e LIV e do artigo 12, X, do Regulamento Interno da URBES. A empresa pública fica proibida de incluir referências discriminatórias nas fichas de implantação utilizadas pelo setor de recursos humanos e deve divulgar a sentença a todos os servidores, sob pena de multa diária de R$ 500 por item descumprido. 

No entendimento dos magistrados, a URBES gerou “verdadeira sensação de repúdio e indignação a toda coletividade, a qual teve seu senso comum de justiça absolutamente aviltado ante a negação ao respeito à dignidade da pessoa humana e valor social do trabalho”, o que justifica a indenização coletiva no valor de R$ 50 mil. 

Cabe recurso ao TST (Tribunal Superior do Trabalho).

Processo nº 0000448-07.2014.5.15.0109

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