Justiça determina prazo para que Governo do Estado de São Paulo apresente cronograma para regularização do meio ambiente de trabalho no IML de Sorocaba

MPT ajuizou ação civil pública após fiscalização do CEREST que apontou uma série de irregularidades graves no IML, como despejo de lixo biológico no esgoto comum, falta de exaustão no necrotério, problemas estruturais no prédio, falta de higiene, dentre outras

Sorocaba - A 2ª Vara do Trabalho de Sorocaba proferiu despacho na última sexta-feira (21/05), determinado o prazo de 30 dias para que o Governo do Estado de São Paulo apresente em juízo um plano de trabalho, com metas, para solucionar as graves questões de saúde e segurança do trabalho no Instituto Médico Legal (IML) de Sorocaba, apontadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em ação civil pública.

Em abril de 2021, uma decisão do mesmo juízo havia concedido prazo de 10 dias para que a Administração Estadual se manifestasse nos autos do processo, se vinha cumprindo as normas de segurança laboral exigidas em lei, especialmente aquelas apontadas pelo MPT, além de informar que providências havia tomado considerando as irregularidades constatadas na fiscalização. No despacho proferido na última sexta-feira, a magistrada Ana Maria Eduardo da Silva concedeu o prazo de 30 dias para que o Governo do Estado de São Paulo “informe o que já foi realizado desde a última manifestação no início de abril, e, ainda, para que traga as ações que ainda devem ser cumpridas, com respectivos prazos”, uma vez que, segundo a decisão, “considerando que das ações realizadas ainda há evidentes perigos tanto à saúde (como em relação ao esgoto ) quanto à segurança das pessoas que atuam no local - veja-se as necessidades relativas a equipamentos de incêndio, revisão e reforma da rede elétrica e de gás, regularização perante a Vigilância Sanitária – é necessário que ao menos a ré apresente um plano de trabalho com metas”.

O procurador Gustavo Rizzo Ricardo ajuizou a ação civil pública após a instrução de um minucioso inquérito civil, que apontou condições precárias no meio ambiente de trabalho do IML de Sorocaba, a partir de uma denúncia remetida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, que afirmava que “a situação deste prédio fere a dignidade humana de todos que ali se encontram”.

O MPT requisitou fiscalização do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) de Sorocaba, que constatou uma série de irregularidades, entre elas: esgoto obstruído, além da situação precária do sistema de exaustão, das telas de proteção contra insetos e da ventilação. A fiscalização flagrou falta de captação e/ou controle de líquidos e contaminantes, de forma que todo o material produzido é despejado no sistema comum de esgoto, sem qualquer tipo de tratamento (ausência de destinação de resíduos sólidos e materiais de contaminação biológica e de tanque séptico).

“Trata-se de situação de extrema gravidade, de forma que é evidente que o lançamento dos resíduos sem tratamento no esgoto, para além de prejudicar o meio ambiente como um todo, constitui causa de agravo à saúde dos trabalhadores que se ativam no local, pelas más condições de higiene e salubridade. A falta de exaustão adequada também representa irregularidade gravíssima, especialmente por se tratar de um local destinado à realização de necropsias, o que compromete sobremaneira a saúde dos empregados”, afirma o procurador.

Falta de higiene - Os fiscais apontaram também a falta de higienização da sala de necropsia, em desconformidade com os dispostos em regras da Anvisa, a ausência de profissionais de limpeza em quantitativo necessário para manter a unidade sempre higienizada (serviço é oferecido apenas se segunda a sexta, em horário comercial, sendo que o serviço funciona 24 horas), e a ausência de licenças de funcionamento junto à Vigilância Sanitária e à CETESB.

Ainda com relação às condições de meio ambiente do trabalho no IML, o CEREST apontou ausência de limpeza da caixa d´água e falta de dedetização e desratização periódica do local, conforme preconizam as normas sanitárias. Os banheiros, por sua vez, foram encontrados em péssimo estado de conservação e higiene, uma vez que o esgoto se encontrava obstruído e com vazamentos, o que levou os administradores a improvisarem um desvio no sistema de esgoto, a fim de a água coletada no lavabo fosse lançada para a área externa do prédio. A mesma condição ruim foi identificada nos vestiários, que apresentavam mofos e infiltrações.

O relatório ainda aponta para a falta de higienização das vestimentas de necrotério; más condições do telhado do prédio (especialmente do sistema de calhas, provocando infiltrações graves); e falta de iluminação de segurança na escada de acesso ao necrotério.

Problemas elétricos e AVCB - A parte elétrica do edifício também se encontra em situação precária: não é disponibilizado um gerador de energia elétrica para os necrotérios, para a adequada manutenção dos corpos e fluidos em condições seguras de refrigeração nas câmaras frias, em caso de queda de energia. O prédio não possui, ainda, Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB), portanto, não possui as adequações necessárias para medidas de prevenção contra incêndios, não dispondo de brigadas de incêndio, hidrantes, extintores, sprins e detectores de fumaça.

“Tal irregularidade representa risco diário para a vida e a saúde dos trabalhadores que se ativam no IML, sendo relevante destacar que a situação ainda mais se agrava em razão de que o local não dispor de sistema de aterramento e de para-raios”, aponta Rizzo Ricardo.

Saúde e segurança do trabalho - Conforme constatado pelo CEREST, o IML de Sorocaba não fornece adequadamente os equipamentos de proteção individual (EPIs), tampouco mantém relação dos EPIs fornecidos aos profissionais técnicos, expondo os trabalhadores ao risco de contaminação por agentes biológicos. A fiscalização também apontou a ausência de programas de prevenção de acidentes e que garantam o real dimensionamento dos riscos, como o PPRA, PCMSO e do Laudo Técnico das condições ambientais de trabalho.

Jornada e ergonomia - Por fim, o CEREST ainda apontou em seu relatório que o número de trabalhadores que se ativam no IML de Sorocaba está muito aquém do que é necessário para assegurar o bom funcionamento do Instituto, e que essa situação, tem potencial para repercutir na saúde dos trabalhadores. Segundo dados colhidos no inquérito, o IML funciona 24 horas por dia, atendendo a livre demanda da região com 18 cidades, sendo que, apenas no ano de 2020, foram realizados 8.457 atendimentos, dos quais 1064 necrópsias; 4.215 cautelares; 2.689 lesões corporais; e 489 violências sexuais. Entretanto, de acordo com o mesmo relatório, para dar conta de toda esta demanda, o IML conta apenas com 6 médicos legistas, 06 auxiliares de necropsia e 08 atendentes de necropsia, registrando um déficit de profissionais.

Não há uma análise ergonômica das atividades, de forma a adequá-las às chamadas “condições psicofisiológicas” dos trabalhadores, a fim de garantir maior conforto e segurança no trabalho. O CEREST identificou a falta de uma talha elétrica para o transporte de corpos até a câmara fria, que teria a função de “aliviar a tensão e evitar possíveis lesões em qualquer pessoa que precise levantar um objeto pesado ou em situações em que o objeto é simplesmente pesado demais para ser levantado por um ser humano sem ajuda”.

Conclusão e pedidos - Na conclusão do seu relatório, o CEREST afirmou que “em qualquer situação normal de fiscalização em uma empresa particular, o correto seria a interdição total do local, com o remanejamento dos profissionais e condicionando o retorno ao local à apresentação de um cronograma de adequações”. Contudo, a essencialidade do serviço impediu os fiscais de realizarem a interdição.

O MPT pediu na ação civil pública a adequação de todos os apontamentos apresentados em relatório pelo CEREST, sob pena de multa de R$ 5 mil por infração constatada, além da condenação do Governo do Estado de São Paulo ao pagamento de R$ 300 mil por danos morais coletivos.

Processo nº 0010363-24.2021.5.15.0016

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