Doze venezuelanos são resgatados de trabalho análogo ao de escravo em Cafelândia (SP)

Operação contou com a participação do MPT, MTP, DPU e PF; estrangeiros não recebiam qualquer remuneração e tiveram documentos e cartões retidos por turmeiro

Marília - Uma operação realizada nessa quinta-feira (23) resgatou doze trabalhadores venezuelanos de condições análogas à escravidão na cidade de Cafelândia, no interior de São Paulo. Os estrangeiros trabalhavam na colheita de laranja em uma fazenda no distrito de Bacuriti. A ação teve a participação do Ministério Público do Trabalho (MPT), por meio da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (CONAETE), do Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho e Previdência Social, da Defensoria Pública da União e da Polícia Federal.

Os colhedores trabalhavam para um turmeiro que os trouxe de Boa Vista (RR), por intermédio da Operação Acolhida, com o apoio do Exército Brasileiro. Eles chegaram em território paulista pelo aeroporto de São José do Rio Preto, e em seguida foram trazidos para a cidade de Júlio Mesquita, onde ficaram alojados. Eles estavam acompanhados de uma criança e uma adolescente, que não estavam em situação de trabalho.

No momento da chegada dos estrangeiros em solo paulista, o turmeiro confiscou os cartões-alimentação entregues aos trabalhadores em Boa Vista pela empresa Visão Mundial Brasil, uma organização que dá ajuda humanitária a refugiados e migrantes. Os cartões têm como finalidade a ajuda no custeio alimentar dos venezuelanos, a fim de garantir a sua subsistência por curto período de tempo.

Mesmo alojados em Júlio Mesquita, os venezuelanos trabalhavam em Cafelândia, a uma distância de 2 horas. Eles pegavam o ônibus por volta de 5:00 da manhã e chegavam na fazenda às 7:00, trabalhando até as 15:00 e chegando no alojamento, em Júlio Mesquita, às 17:00. A comida era feita por uma cozinheira venezuelana às 4:00 da manhã, utilizando alimentos de cestas básicas fornecidas pela Prefeitura de Júlio Mesquita.

Eles eram transportados em veículo que não possuía a autorização do DER para o transporte de trabalhadores rurais, uma vez que não foi submetido à inspeção veicular para verificação das condições de tráfego.

Durante o período de trabalho, que foi de cerca de 20 dias, os trabalhadores não receberam nenhuma remuneração, exceto o valor de R$ 50,00, que teve que ser devolvido ao empregador para o custeio de alimentação. Não houve fornecimento de equipamentos de proteção individual, como luvas e botas, e não havia banheiros nas frentes de trabalho, ou mesas e cadeiras para refeição.

Em depoimento prestado ao MPT, um dos trabalhadores informou que o grupo assinou um pré-contrato contendo as condições de trabalho, com a promessa de registro em carteira de trabalho, salário de R$ 1.500,00, jornada de 44 horas semanais e alojamento custeado pelo empregador.

Chegando em Júlio Mesquita, o turmeiro informou aos trabalhadores que apenas seriam registrados depois de um mês de trabalho. Em depoimento ao MPT, o turmeiro informou que o contratante direto seria a Fazenda Ventura.

Além das irregularidades no meio ambiente de trabalho, não foram fornecidas marmitas térmicas, de forma que os colhedores levavam suas refeições em pequenos potes de plástico, sendo obrigados a comê-las frias e com risco de azedar. Havia 4 galões de água para 12 trabalhadores, sem copos suficientes para todos.

Além disso, por meio dos relatos pode-se constatar que os trabalhadores eram assediados pelo turmeiro, que os impedia de sentar-se ao lado de mulheres, afirmando que eles iriam “abusar” delas, e ainda dizia que era melhor que ficassem em casa, pois os brasileiros eram perigosos e poderiam matá-los. Além disso, o empregador os ameaçava dizendo que tinha contatos na Polícia Federal.

Por iniciativa própria, os trabalhadores deixaram de prestar serviços para o turmeiro e foram embora de Júlio Mesquita no dia 8 de junho. O empregador, por sua vez, reteve os documentos dos imigrantes, incluindo CPFs e cartões-alimentação. Segundo os imigrantes, foram recuperados 8 dos 11 cartões que estavam em posse do turmeiro.

Os venezuelanos foram para a cidade de Marília e foram acolhidos pela Secretaria de Direitos Humanos do Município, pernoitando em um abrigo municipal. A própria Secretaria efetuou o desbloqueio dos cartões dos trabalhadores, o que possibilitou que custeassem uma moradia provisória.

“Trata-se de um caso de redução de trabalhadores à condição análoga à escravidão. Pudemos constatar a degradância do meio ambiente de trabalho, a falta de remuneração, além de retenção de documentos e indícios da prática de tráfico de pessoas”, afirmou o coordenador regional da CONAETE, Marcus Vinícius Gonçalves.

Os auditores fiscais do trabalho efetuaram o resgate, concedendo aos imigrantes o direito de receber as parcelas do seguro-desemprego de forma imediata.

Solução – O turmeiro e o comprador da laranja deverão efetuar o registro em carteira de trabalho e decorrente rescisão do contrato de trabalho, com a obrigação de pagar as verbas rescisórias devidas, além de uma indenização por danos morais individuais no valor de R$ 5.000,00 para cada trabalhador.

Os beneficiários do serviço de colheita, representantes da Fazenda Ventura, assumiram responsabilidade solidária pelo cumprimento da obrigação, assinando um termo de ajuste de conduta com o MPT e a DPU.

Operação Acolhida - Em depoimento ao MPT, o turmeiro afirmou que apresentou aos representantes da Operação Acolhida, em Boa Vista, o CNPJ de uma pessoa jurídica MEI, utilizada para a venda de semi-jóias, com a finalidade de angariar a mão de obra dos venezuelanos. Contudo, ele informou aos militares que os contrataria para serviços de empreitada. Os integrantes da operação também levantaram que o mesmo turmeiro que submeteu os trabalhadores à condição análoga à escravidão possui um novo pedido junto ao Exército para trazer outros 40 venezuelanos para São Paulo.

“As autoridades realizadoras da operação notificarão o Exército Brasileiro para cientificar aquela Instituição sobre o resgate em Cafelândia, a fim de obstar o envio de novos trabalhadores, além de recomendar o aprimoramento dos controles, checagem e fiscalização das empresas que solicitam a mão de obra de venezuelanos para utilizá-las em suas operações. A Operação Acolhida é uma iniciativa louvável que traz esperança para aqueles que sofrem com a migração forçada e buscam reconstruir suas vidas em um novo país, inclusive oportunizando o ingresso no mercado de trabalho. Mas entendemos que há espaço para um aperfeiçoamento do processo, o que evitaria que casos como este que encontramos na região de Marília aconteçam”, pontuou Marcus Vinícius.

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