Seminário reúne acadêmicos, juristas e trabalhadores para debater transtornos mentais e suicídios relacionados ao trabalho

Primeira iniciativa do projeto conjunto entre MPT e UNICAMP tem como objetivo subsidiar uma atuação que busca prevenir ocorrências e melhorar os serviços de saúde do trabalhador, dentre outras

Campinas - O Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) realizaram, entre os dias 24 e 25 de maio, o Seminário “Sofrimento mental e morte entre trabalhadores e trabalhadoras – transtornos mentais e suicídios relacionados ao trabalho”, como primeira iniciativa de um projeto de prevenção de transtornos mentais e suicídios relacionados ao trabalho. O evento, realizado na sede do MPT, em Campinas (SP), reuniu especialistas e pesquisadores de diversas áreas de conhecimento, além de trabalhadores e representantes sindicais.

O projeto deriva de um procedimento promocional, presidido pelo procurador Mário Antônio Gomes, conjuntamente com a procuradora Fabíola Zani, com a participação direta dos professores Márcia Bandini e Sérgio de Lucca, do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, por meio de convênio firmado entre as instituições.

A justificativa está embasada em estatísticas recentes: dados do Ministério do Trabalho e Previdência mostram que, em 2020, foram registrados mais de 570 mil afastamentos por transtornos mentais no país, número 26% maior do que o registrado em 2019. No grupo de 468 doenças listadas pelo órgão estão incluídos transtornos como depressão, ansiedade, pânico, estresse pós-traumático, transtorno bipolar e fobia social.

“Os transtornos mentais relacionados ao trabalho representam um sofrimento bastante democrático, pois podem atingir, indistintamente, qualquer pessoa que trabalha, independentemente de nível salarial, cargo, nível hierárquico e social ou função. Todos estamos sujeitos. Não tenho receio de afirmar que em todas as empresas, instituições públicas ou privadas, há ao menos um caso de transtorno mental relacionado ao trabalho. É uma questão que deve ser enfrentada com urgência, pois está se tornando um grave problema de saúde pública, uma vez que cresce em todos os segmentos de maneira silenciosa, invisível e sempre marcada pelo preconceito e falta de informação. Carecemos de ações mais coordenadas, que atendam o trabalhador de maneira integral, de forma que se crie um espaço de fala, de desabafo, além do acompanhamento, acolhimento e correto tratamento”, afirmou o procurador Mário Antônio Gomes durante a mesa de abertura do evento.

“Este seminário é um “abre-alas” do projeto, que tem como característica ser contínuo e de longo prazo. Portanto, não é um fim em si mesmo. Este primeiro evento está mais focado no diagnóstico situacional, buscando responder onde estamos quando falamos de transtorno mental. Haverá um segundo seminário, ainda este ano, no qual falaremos mais do que temos feito, quais são as nossas práticas, a fim de abrir um fórum permanente temático. Aqui temos uma união de saberes: da academia, dos serviços e, principalmente, dos trabalhadores aqui representados”, apontou Márcia Bandini.

O professor Sérgio de Lucca pontuou que a iniciativa teve início em 2018, em uma construção conjunta entre MPT e UNICAMP. “O seminário é fruto de muita dedicação, para que conseguíssemos desenvolver um projeto que resulta de um diálogo com as partes diretamente interessadas e implicadas, com a participação efetiva dos trabalhadores e seus representantes, da academia, dos serviços de saúde do trabalhador, da rede de atenção básica, da vigilância e serviços de emergência, com o objetivo de conhecer a dimensão desse problema, que envolve estigma e culpabilização das vítimas, que chegam a se sentir tão sozinhas que, na beira do abismo, tiram a própria vida”.

Painel de experiências - “Estamos acompanhando o sofrimento de uma categoria de trabalhadores. Eles têm receio de expor as suas dificuldades em relação ao transtorno mental, pois há um preconceito institucional, que intimida”. As palavras de Raimundo Teles, petroleiro há 39 anos e diretor da FUP (Federação Única dos Petroleiros), foram proferidas em um painel do seminário dedicado à troca de experiências de trabalhadores e trabalhadoras sobre as vivências de diferentes categorias no ambiente laboral e como a organização do trabalho impacta na saúde mental da coletividade.

O “painel de experiências” foi proposto como forma de entender, a partir de relatos, como as práticas de gestão aplicadas hoje nas empresas estão adoecendo as pessoas, levando-as, em alguns casos, a tirarem a própria vida em decorrência de transtornos mentais causados no trabalho.

A aeroviária e representante do Sindicato Nacional dos Aeroviários, Patrícia Luiza Gomes, trouxe à discussão a pressão exercida pelas companhias aéreas sobre a categoria, e como isso impacta nos problemas vivenciados no meio ambiente de trabalho pelo trabalhador e/ou trabalhadora do segmento.

“Quando houve o processo pandêmico, as pessoas começaram a adoecer fortemente, algumas até se suicidaram. Se o mecânico de aeronaves adoece psiquicamente e comete um erro dentro do seu processo de trabalho, quantas pessoas ele põe em risco? Isso é um eco da morte. Não podemos usar o suicídio e o transtorno mental como tabu, precisamos passar essa barreira, fazer com que a palavra circule para que encontremos novas maneiras de fazer o trabalho que precisamos”, disse.

O motoboy e representante da Associação de Motoboys, Autônomos e Entregadores do Distrito Federal (AMAE-DF), Alessandro da Conceição Calado, contou sobre a experiência da categoria com o sistema de gestão de plataformas digitais nas atividades de entregas de alimentos e mercadorias, um dos segmentos que mais geram estresse e esgotamento físico e mental na atualidade.

Segundo ele, a subordinação a um algoritmo que dita a forma, a frequência e o valor de cada entrega está gerando um efeito social nefasto a uma categoria cada vez maior de trabalhadores e trabalhadoras, o que resulta em transtornos mentais e adoecimento em larga escala. “Somos subordinados a um algoritmo, com o qual não temos diálogo. Quando ele te pune, você não sabe por quê. Os entregadores trabalham com metas agressivas e sofrem grande pressão. Há entregadores que trabalham até 2 horas da manhã todos os dias. É uma profissão perigosa, que não recebe periculosidade. Tem uma série de fatores que nos prejudicam, geram ansiedade e angústia. Quando entramos em greve, pleiteando melhores condições de trabalho, eles viram a chave: como forma de represália, não mandam corridas para os grevistas. Quem conseguia fazer uma média diária de 100 a 200 reais passa a receber menos de 80 reais por dia, obrigando o trabalhador a cumprir uma jornada de até 14 horas por dia”, explicou.

Além dos depoimentos da educadora Francisca Seixas, que expôs os problemas sofridos por profissionais da educação, e da psicóloga Georgina Motta, que mostrou um amplo estudo feito com mineradores que sofreram transtornos decorrentes de sua atividade, em especial nas regiões onde houve estouro de barragens, o policial civil e representante da Federação dos Policiais Civis da Região Norte (FEPOLNORTE), Itamir Alisson Neves de Lima, traçou um paralelo entre os riscos decorrentes da atividade dos policiais civis e militares e o despreparo das corporações com relação à ausência de políticas de acolhimento e tratamento de casos de trabalhadores e trabalhadoras com sintomas depressivos e de ansiedade.

“A nossa atividade é considerada a segunda mais estressante do mundo pela OIT. Só perdemos para os mineradores de carvão. A carga de trabalho e as condições insalubres de trabalho são agravantes daquilo que padecemos como trabalhadores. Ainda há a falta de valorização desses profissionais, bem como a ausência de reconhecimento funcional, que nada tem a ver com questões salariais. Não há caminhos para ajudar esse profissional, há negligência estatal”, afirmou.

Segundo números trazidos pela FEPOLNORTE, 94% dos policiais sofreram algum desgaste emocional durante as suas atividades, e 39% se encontra experimentando alto nível de estresse. Cerca de 13% do efetivo se afasta todos os anos por problemas de saúde e a taxa de suicídio é 4 vezes maior que a média da população. “É necessária formação policial, políticas públicas direcionadas e assistência biopsicossocial. Uma vez que existem números alarmantes, é importante cuidar do policial e estar dentro de uma estrutura de políticas públicas direcionadas ao profissional”.

Como chegamos a isso? – Um dos principais expositores do evento foi o sociólogo francês Vincent de Gaulejac, conhecido por suas pesquisas relacionadas à sociologia clínica ressaltando os conceitos de “luta de lugares” e “neurose de classe”, dentre outros. Ele também é conhecido pelo seu trabalho como diretor do “Laboratório de Mudanças”, em Paris.

Em sua exposição, Gaulejac traçou um caminho histórico, a partir da primeira metade do século XX, para buscar uma contextualização sobre a atual situação do capital e da organização laboral nas empresas. A IBM, gigante da área de tecnologia, foi utilizada como exemplo da gradual e agressiva mudança observada no mundo do trabalho ao longo das décadas, o que vem levando muitos trabalhadores ao adoecimento mental.

“Com o passar do tempo, o valor do trabalho acabou modificando sua natureza, dando espaço para a cultura da rentabilidade e do lucro, que se impõe no privado, mas também no público, pois houve uma interiorização dessas normas do valor do privado. As condições subjetivas trouxeram uma deterioração, casos de burnout, assédio, esgotamento profissional, depressão e várias doenças sociais. A queixa mais generalizada é a perda de sentido, a vivência de um sentimento que é difuso. O trabalho começa a não ter mais sentido”, apontou.

Para Gaulejac, no chamado “capitalismo paradoxante”, os indivíduos passam a ser confrontados por temas que os fazem perder a razão e ser invalidados como “sujeito autônomo”, em um discurso que passa a privilegiar as atitudes em detrimento das palavras, ilustrando uma “ideologia do desempenho e da gestão”.

“Cada empregado é livre para agir e pensar como quiser, mas contanto que não se oponha ao que é preconizado pela empresa. Há uma limitação, estamos frente a uma injunção paradoxal, e isso faz parte do discurso gerencial. Na verdade, cada um pode pensar o que quiser a partir do discurso preconizado de poder. Uma roupagem do “nós estamos juntos”, mas tudo passa pelo individualismo e pelo avanço do digital, onde se evoca um espírito de equipe contraditório, pois na realidade há uma cultura que preconiza a concorrência e o esforço individual”, explicou o pensador.

Gaulejac explicou os cinco paradoxos do capital, que explicam a organização do trabalho que privilegia a rentabilidade e a concorrência, pelo qual o trabalhador não passa de um mero recurso humano e a empresa “se torna a sua própria finalidade”, com o valor atribuído apenas ao capital investido, e não em seu uso social.

“O mundo do trabalho passa pela lógica do lucro máximo, trazendo contradições para o trabalhador. Existe uma cultura da urgência, que acaba engolindo o tempo de fazer trocas com os colegas, descansar, falar sobre coisas da vida. Não podemos emitir algo ou trazer palavras, pois é importante e imperativo agir, e isso impede o desenvolvimento dos seres a partir de tudo o que está na sua psique e dentro da sua capacidade reflexiva. Isso tudo é colocado em uma caixa”, finalizou.

Complementando a visão do professor francês, o sociólogo do trabalho Ricardo Antunes afirmou que, no mundo do trabalho, a destrutividade se tornou uma norma, e não uma exceção, levando a uma “crise estrutural” que resulta em uma devastação do trabalho e do seu sentido. “O sentido que a humanidade dá ao trabalho é de atividade vital. O sentido que o capital dá ao trabalho é de criação de valor de troca, de mais riqueza para a apropriação privada. É a mutação de uma natureza que faz com que o trabalho seja assim”, disse.

Para Antunes, a sequência do capital na crise estrutural, onde ele se tornou destrutivo, passa pelo Taylorismo, Fordismo, Toyotismo, acumulação flexível e deságua no capitalismo de plataforma, onde há “abundância de depressão”, pois tem sustentação meramente no desempenho e na precarização. “Palavras como resiliência e sinergia tiveram seu léxico adulterado, e são usadas para que o trabalhador faça tudo de acordo com o ideal da empresa. Em um contexto de crise estrutural, de mutação tecnológica, há uma massa sobrante de trabalhadores no mundo inteiro”, lamentou, referindo-se aos altos níveis de desemprego em escala global.

O professor José Dari Krein complementou chamando atenção para a criação de grandes conglomerados globais a partir da revolução tecnológica, em que a produção direta é o segmento mais desvalorizado. “Talvez um dos elementos a partir do qual temos a possibilidade de fazer uma crítica mais contundente a essa forma da organização do trabalho seja exatamente identificando as suas consequências sobre as condições de vida das pessoas. Essa é uma possibilidade de sensibilização de parte da sociedade pelo nível de adoecimento que esse processo de organização do trabalho causa”.

Concluindo o painel, o representante do Observatório Sindical Brasileiro “Clodesmidt Riani” (OSBCR), José Reginaldo Inácio, falou sobre como esta forma de organização do trabalho conforma para a destruição da ação coletiva, tendo como componente a possibilidade de destruição do polo de resistência para o combate ao neoliberalismo. “Todos esses elementos constitutivos que poderiam regar ou orientar no sentido inverso para que pudéssemos resistir ou enfrentar, de certa maneira são legislados e colocados em prática para que legitimem o crime e a fraude ou o atentado contra as instituições que pudessem resistir”, afirmou.

Assédio moral e suicídio – Ainda com o objetivo de fazer um retrato da realidade do mundo do trabalho contemporâneo, o painel dedicado ao assédio moral e ao suicídio relacionado ao trabalho contou com a participação do professor da Faculdade de Educação da UNICAMP Roberto Heloani, um dos precursores das pesquisas sobre assédio moral no Brasil, realizada em conjunto com a professora Margarida Barreto.

Para o professor, é urgente a adesão dos países, inclusive do Brasil, à Convenção 190 da OIT, proposta em 2015, que abarca a proteção a todo tipo de violência no trabalho, incluindo assédio moral e sexual e formas de discriminação. “No meu entender, chegamos a um ponto tal que se não houver uma adesão efetiva, uma normativa jurídica, com a atualização dessa convenção pelos países-membros, no que se refere ao direito laboral, civil e penal, inviabilizaria o próprio processo de trabalho, tamanho o abuso que essas novas tecnologias permitem sobre o trabalho, tamanho o adoecimento que ocorre no mundo todo, me referindo à prática do assédio moral, que faz sofrer, adoecer e morrer”, lamentou.

Avançando em sua apresentação, Heloani apontou o isolamento como o modus operandi mais comum dentro das empresas e do setor público para constranger e assediar o empregado, trazendo na contemporaneidade do mundo laboral o possível fim da coletividade. “Essas novas formas de trabalho destroem o coletivo de trabalho. Metaforicamente, o assédio moral é produto da solidão, e não é à toa que a tática mais utilizada em empresas públicas e privadas, grandes e pequenas, multinacionais, transnacionais e nacionais, é a do isolamento. Quando se isola, se corta a comunicação, e o sujeito adoece e fica deprimido, até chegar ao pensamento de que ele merece tal punição, pois fez algo de errado, e que o problema está com ele, e não com a forma de trabalho”, explicou.

A professora da Universidade Federal do Acre, Luci Praun, falou sobre os avanços dos casos de suicídios relacionados ao trabalho como estando diretamente ligados ao avanço das formas de precarização do trabalho. Para ela, apesar do trabalho ser uma atividade estruturadora das nossas identidades, trata-se de uma condição que guarda muitas contradições. “Estamos falando de um momento do capitalismo, em sua fase de mundialização financeirizada, organizadas a partir de premissas do neoliberalismo, em que se atingiu um patamar de monopólio e desenvolvimento tecnológico que potencializa a mercantilização da vida, a ausência do tempo livre e a exclusão dos não-adaptáveis ou excedentes na lógica da sociedade”.

Em seguida, o representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (CONTRAF-CUT), Mauro Salles, expôs a dura realidade da categoria dos bancários e do que ele chama de “mecanismo adoecedor”, com engrenagens que passam por metas, sistemas de avaliação predatórios, remunerações variáveis conforme desempenho, pressão por resultados e o assédio moral. Segundo o também bancário, o momento de alto risco social, crise econômica, desproteção social e desregulamentação contribui enormemente para a precarização do trabalho, para o adoecimento no trabalho e para a morte por suicídios decorrentes do trabalho. “O sistema de avaliação dos bancos estimula a competição porque haverá sempre alguém que ficará na performance crítica e uma minoria na performance máxima. O adoecimento está vinculado à meta”, explicou.

De acordo com dados da CONTRAF, De 2012 a 2017, 40,5% dos bancários se afastaram por transtornos mentais e comportamentais. Além disso, 89,4% dos trabalhadores disseram estar expostos a conflitos e hostilidades no ambiente laboral.

O painel foi encerrado pela representante da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Cleonice Caetano Souza, que abordou o tema assédio moral.  

Outras abordagens – O seminário também jogou luz à análise do sofrimento mental no trabalho contemporâneo e suas perspectivas, especialmente de um ponto de vista da psicodinâmica do trabalho. “O trabalho hoje leva as pessoas muito mais para o campo da alienação do que da emancipação. Todos têm direito a um trabalho interessante, desafiador, e que permita a construção de caminhos que favoreçam os processos de realização de si, e que permitam a busca da liberdade e da emancipação. Se o trabalho não estiver balizado a partir dessa perspectiva, ele está causando algum dano para os sujeitos”, disse Laerte Idal Sznelwar, professor do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da USP.

A professora Elizabeth Antunes Lima, do Departamento de Psicologia da UFMG, fez importante análise histórica de pesquisas realizadas na França da década de 50 por pensadores como Louis Le Guillant, que previu a explosão de casos de adoecimentos mentais a partir de novas organizações do trabalho, que apesar de reduzir os esforços musculares, passaram a exigir altos níveis de velocidade, atenção e precisão no meio ambiente laboral, originando desgaste mental e uma espécie de “embotamento intelectual” nos trabalhadores, que vinham acompanhados de depressão, angústia, ansiedade e ideias suicidas.

Segundo a expositora, esses estudos são extremamente atuais, uma vez que os transtornos mentais citados nos resultados das pesquisas são identificados nos dias de hoje, de forma que não podem ser social e historicamente determinados. Para Elizabeth, a organização do trabalho mudou para pior, se apropriando das melhorias técnicas para se tornar ainda mais patogênica. “Os estudos daquela época concluíram que o nervosismo de telefonistas era uma doença necessária para o cumprimento das suas tarefas profissionais, pois são as mais nervosas que apresentam melhor rendimento. Ao analisar os processos atuais de trabalho, nos deparamos com quadros muito semelhantes e causados pelos mesmos fatores”, afirmou.

Além dela, também participaram da mesa redonda Dejamir Sousa Soares, da Confederação Nacional do Trabalhadores da Saúde, que deu importante contribuição sobre a sobrecarga e estresse vivido pela categoria dos enfermeiros; e Cleide Pinto, que mostrou como a categoria das domésticas, em sua maioria composta de pessoas com baixo grau de instrução, sofre com o adoecimento mental a partir de uma “concepção de servidão”, na qual o patrão é visto como “ser superior” pelas domésticas, o que gera submissão e silêncio.

Subnotificações - O seminário deu amplo espaço para a discussão relativa à subnotificação dos casos de transtornos metais e suicídios relacionados ao trabalho, com a participação de grandes nomes da academia.

Em sua exposição, o perito médico do Ministério do Trabalho e Previdência João Silvestre Silva demonstrou por meio de levantamentos estatísticos que há grande subnotificação de casos, inclusive de casos de esgotamento no trabalho (burnout), em que 42,8% do total de registros foi caracterizado pela perícia. Segundo o palestrante, 54,5% dos casos de transtornos mentais são subnotificados no Brasil, sem que haja o chamado nexo técnico epidemiológico. O mesmo acontece com os casos de depressão, com 84,3% de ocorrências onde não há emissão de CAT. Mas mesmo neste cenário, ainda, 55% dos casos de transtornos mentais não são sequer reconhecidos pelos peritos. “Existem muitos dados ignorados nos bancos que a Previdência divulga. É preciso ter mais estratificação com base nas atividades econômicas mais atingidas. Os casos de acidentes de trabalho sem CAT emitida demonstra uma clara subnotificação de afastamentos por suspeita, e infelizmente a perícia tem descaracterizado os transtornos mentais relacionados ao trabalho”, observou.

Serviços de saúde do trabalhador – Uma mesa de debates colocou em pauta a estruturação, práticas e políticas empreendidas pelos serviços de saúde do trabalhador. Os convidados apontaram um déficit no atendimento de casos de transtornos mentais, começando pelas notificações compulsórias até o atendimento por equipes especializadas.

A enfermeira coordenadora do Departamento de Vigilância Sanitária de Campinas, Christiane Sartori, apontou que as notificações compulsórias, derivadas de atendimentos de trabalhadores pela rede, são emitidas com dificuldade, mas a adesão ainda é baixa. Ela também evidenciou que há receio dos médicos no estabelecimento do nexo com o trabalho dos casos de transtornos mentais, em virtude principalmente da falta de capacitação de profissionais na área, além de dificuldades no preenchimento de dados no sistema SINAN. “Precisamos considerar mecanismos automatizados que facilitem a notificação de saúde do trabalhador. Muitas vezes, o próprio trabalhador não consegue identificar que aquele agravo tem relação com o trabalho. Nesse sentido precisamos da ajuda dos órgãos de classe para mobilizar e levar conhecimento para que os trabalhadores percebam o seu fazer no trabalho”, afirmou.

A professora Márcia Bandini fez uma análise aprofundada das relações entre as empresas e os médicos do trabalho, a partir do surgimento dos serviços de saúde e passando pela criação do SESMT, quando o Estado “colocou a tutela da vigilância de saúde do trabalhador no guarda-chuva do empregador”, apontando para um claro conflito de interesses.

“Estou cansada de ouvir relatos de médicos que abrem CAT de manhã e perdem o emprego à tarde. Os vínculos são muito precários, a independência profissional desses médicos não é prevista. Se não é subordinado direto pelo SESMT, tem outra precariedade: a empresa contrata um prestador e ela passa a ser cliente. Se o cliente está insatisfeito, ela muda de prestador. Muitas vezes esses médicos do trabalho não sabem fazer o diagnóstico do transtorno mental, pois a maioria não tem formação em saúde mental. Por outro lado, quando o psiquiatra faz o diagnóstico, não faz o estabelecimento do nexo com o trabalho”, lamentou.

Para Márcia Bandini, tal sistema é “feito para não funcionar”, e a professora encerrou sua exposição com uma reflexão sobre a obrigação ética do médico do trabalho na emissão de notificações de doenças ou transtornos mentais, propondo uma “vigilância popular” que traga o trabalhador para o modelo de vigilância, especialmente devido à subjetividade do transtorno mental.

O expositor Paulo Rogério de Oliveira, representante do Conselho de Recursos da Previdência Social, demonstrou por meio de planilhas os avanços obtidos pelo órgão na notificação de transtornos mentais por meio da NTEP (Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário), uma ferramenta auxiliar da perícia médica do INSS que, por meio de uma ampla relação oriunda do cruzamento de diversos dados, possibilita presumir que determinados afastamentos são acidentários, ou que têm nexo com o trabalho.

Com confiança estatística de 99,9%, segundo Oliveira, o NTEP propiciou desde a sua criação, em 2007, o incremento de 6.000% de notificações a partir do ônus da prova. “A notificação de transtorno mental nasce com o NTEP. A perícia médica do INSS passou a sofrer um constrangimento a partir da lei que determina que deverá ser considerada a abordagem epidemiológica para fins de direito previdenciário, que vale independentemente da casualidade. O transtorno mental entra por meio dessa abordagem epidemiológica, e a partir do advento do NETP passamos a ter registros acidentários para transtornos mentais que jamais haviam sido notificados”. Para Paulo Rogério, os números do NTEP, incluindo aqueles que demonstram o risco ocupacional para o adoecimento mental por segmento econômico, o impacto populacional e outros fatores, têm potencial para ajudar instituições como o MPT a fazer um planejamento a partir de indicadores epidemiológicos.

A coordenadora do Núcleo de Epidemiologia da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Tânia Araújo, fez uma apresentação sobre o perfil epidemiológico dos transtornos mentais e suicídios relacionados ao trabalho no Brasil, com base nos dados do SIM e do SINAN. Segundo a expositora, não existem protocolos nacionais para organizar as informações relacionadas aos agravos, de forma que cada localidade atua de forma individualizada. “Uma coisa que a gente carece muito no Brasil é de pensar em fazer alguns aspectos relacionados ao monitoramento e à vigilância dos transtornos que seja nacional. Por isso essa iniciativa do MPT e da UNICAMP é importante porque pode possibilitar uma perspectiva de ter formas de procedimentos voltadas para todo o Brasil”, pontuou.

Encerrando o painel, o coordenador técnico do DIESAT, Eduardo Bonfim, propôs um controle social dos serviços de saúde do trabalhador a partir da participação efetiva do movimento sindical, como parte de um “movimento popular de saúde”.

E agora? - Concluído o seminário, diferentes grupos se reuniram para discutir a aplicação dos conhecimentos adquiridos nos eixos do projeto planejado e executado pelo MPT e pela UNICAMP. Cada um dos eixos está apoiado em uma abordagem específica, sendo eles: estudos e pesquisas; políticas e práticas; e formação, educação e capacitação. Na totalidade do projeto estão previstas 23 ações.

A finalidade última é contribuir com sugestões para aprimoramento do Sistema Único de Saúde (SUS) para promover um atendimento de qualidade aos trabalhadores que sofrem de transtornos mentais, desde o acolhimento até o tratamento, mas também melhorar os índices de notificação de transtornos adquiridos no trabalho, gerar capacitação de profissionais de saúde e ampla conscientização na sociedade, por meio da produção científica.

O seminário compõe a primeira parte do projeto, que prevê estudos sobre o perfil das concessões de benefícios acidentários às pessoas que sofrem de transtornos mentais, além das mortes violentas por suicídio na Região Metropolitana de Campinas. Os estudos envolvem os pesquisadores da UNICAMP, da USP e de outros órgãos de pesquisa parceiros.

Um outro evento está previsto para acontecer ainda este ano, com a finalidade de contribuir com a disseminação de boas práticas sobre o tema.

O projeto também propõe uma intervenção precoce dos casos em potencial de transtornos mentais, por meio de uma avaliação dos riscos psicossociais no trabalho, com base em experiências e boas práticas nacionais e internacionais, para empregadores, trabalhadores e profissionais de saúde. Concomitantemente, o MPT e a UNICAMP irão discutir e propor melhorias para o fluxo de atendimento e de informação nas redes municipais de saúde, incluindo serviços como CAPS, Atenção Básica, Urgência e Emergência e CERESTs.

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