Transportadoras são condenadas por jornada abusiva

Ação civil pública é resultado de operação conduzida ano passado pelo MPT e pela Polícia Rodoviária, que flagrou jornadas médias de 17 horas; empresas devem pagar R$ 120 mil por danos morais coletivos

Araraquara – O Ministério Público do Trabalho conseguiu a condenação das empresas Fenix Comércio de Alimentos e DP Transporte Ltda. (ambas do mesmo grupo econômico) na Justiça do Trabalho de São Carlos. Segundo sentença proferida nos autos da ação civil pública pela juíza Claudia Bueno Rocha Chiuzuli, as transportadoras, flagradas submetendo motoristas de carga a jornadas abusivas, devem manter seus empregados em jornadas de até oito horas diárias e 44 horas semanais, conceder intervalos legais e manter discos de tacógrafos guardados e disponíveis às autoridades. Pelos danos morais causados à coletividade, as rés devem pagar uma indenização no valor de R$ 120 mil. Cabe recurso ao Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. 

Em blitz realizada no mês de maio de 2014, em conjunto com a Polícia Rodoviária Estadual, o MPT flagrou casos de motoristas de carga trabalhando em jornadas exaustivas na Rodovia Washington Luiz, na altura do município de São Carlos, região central do estado de São Paulo. A operação foi realizada para verificar o cumprimento, pelos empregadores, da Lei do Descanso (nº 12.619/12). Um motorista da transportadora Fenix, que prestava serviços ao frigorífico Agra, foi flagrado em jornada acima do permitido por lei. Segundo o disco de tacógrafo do veículo – aparelho que registra a velocidade e o tempo de deslocamento durante as 24 horas do dia -, o motorista da Fenix iniciou a viagem às 06h00 e continuou dirigindo até as 22h00, com períodos breves de parada, quando foi parado pela Polícia Rodoviária.  

O procurador Rafael de Araújo Gomes instaurou inquérito civil para investigar a transportadora e a tomadora de serviços de transportes, o frigorífico Agra (a tomadora firmou TAC se comprometendo a sanar as irregularidades). Ao receber os documentos requisitados às empresas, o procurador identificou uma série de irregularidades envolvendo a transportadora Fenix e a DP Transporte. “Os relatórios do sistema de controle por satélite apresentados pelas empresas comprovaram jornadas de trabalho absolutamente absurdas, desumanas e, a rigor, criminosas, pela exposição do trabalhador e das demais pessoas que transitam nas vias ao risco de acidentes pela exaustão física e mental”, aponta Gomes.

Os relatórios comprovam jornadas médias de 17 horas, com pouquíssimas horas de descanso, as quais permitiam que o motorista dormisse de 3 a 4 horas no máximo. Um dos motoristas chegou a dirigir 1.362 Km em um único dia, sendo que seu caminhão se manteve em movimento por quase 18 horas, não tendo o trabalhador realizado qualquer parada para dormir. 

O quadro ficou ainda mais agravado quando o MPT flagrou uma fraude acometida pelas empresas do grupo, que leva ao ocultamento do verdadeiro empregador. Segundo a documentação apresentada, apenas um trabalhador está registrado pela DP Transporte, sendo que os demais empregados são contratados formalmente por uma terceira empresa, a JJ Furcin Transportes Ltda. EPP, que seria uma “empresa de transporte”, mas sequer possui caminhão e precisa locá-los das empresas Fenix e DP Transporte. Mas o endereço da JJ Furcin é o mesmo onde funciona a sede da DP Transporte. “Todos os registros de controle por satélite, que apontam inclusive o nome dos motoristas, indicam a verdadeira transportadora como sendo a DP Transporte, bem como os documentos de conhecimento de transporte e os controles de embarque e recebimento emitidos pelo frigorífico Agra. Não houve muito esforço em ocultar a fraude cometida, a qual caracteriza burla à lei, sendo simplesmente nulos os atos fraudulentos praticados”, afirma Gomes.

Obrigações – Entre as obrigações impostas pelo juízo da 1ª Vara do Trabalho de São Carlos, constam: manter empregados em regime de jornada não superior a oito horas diárias e 44 semanais; não prorrogar a jornada de trabalho além do limite legal de duas horas; assegurar intervalos de, ao menos, 11 horas entre duas jornadas; manter discos de tacógrafo guardados e à disposição das autoridades pelo prazo de 90 dias; além do pagamento de R$ 120 mil por dano moral coletivo.

O Ministério Público do Trabalho também encaminhou representação criminal ao Ministério Público Estadual, em face dos sócios da transportadora, para apuração da eventual ocorrência do crime de perigo à vida e à saúde de outrem, tendo em vista a exigência de jornadas muito elevadas, incompatíveis com a segurança nas estradas.

Lei e retrocesso – A Lei nº 12.619/12 inicialmente determinava que, em viagens de longa distância com condução compartilhada entre dois motoristas, deveria haver o descanso mínimo de seis horas com o veículo estacionado, em cabine leito, ou em acomodação externa fornecida pelo empregador. Além disso, a legislação previa paradas de 30 minutos, pelo menos, a cada quatro horas de direção contínua, uma hora de almoço, e limite máximo de duas horas extras. 

Contudo, recentemente foi sancionado projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional (PLC 41/2014) que fez uma série de modificações no texto original, incluindo o aumento da jornada de trabalho e diminuição dos períodos de descanso. Em alguns casos, o projeto prevê a eliminação de qualquer limite à jornada dos motoristas (que poderiam, então, dirigir 24 horas sem parar), como no caso do transporte de perecíveis. O argumento utilizado pelos parlamentares favoráveis ao projeto, em sua maioria ligados ao agronegócio, é de que não há infraestrutura nas estradas capaz de atender às paradas, e que a lei aumentará o custo dos fretes para os embarcadores.

Riscos - De acordo com o Anuário Estatístico das Rodovias Federais 2010, elaborado pelo DNIT e pelo Departamento da Polícia Rodoviária Federal, ocorreram naquele ano apenas nas estradas federais (excluídas, portanto, as estaduais e municipais) 182.900 acidentes, sendo 7.073 fatais e 62.067 com feridos. Nesses acidentes morreram 8.616 pessoas, e 102.896 ficaram feridas.

De acordo com o Denatran, o Brasil encerrou o ano de 2010 com 64,8 milhões de veículos. E segundo a ANTT, a frota de veículos usados no transporte de carga é de 2.130.662. Isso significa que, muito embora os veículos utilizados no transporte rodoviário de carga correspondam a apenas 3,2% da frota de veículos terrestres do país, eles estão envolvidos em 28,6% das mortes, 18,9% dos acidentes com feridos e 25% do total de acidentes ocorridos em estradas federais.

Processo nº 0011177-07.2014.5.15.0008

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