Usina é executada por não proteger trabalhadores do calor

Abengoa desrespeitou acordo judicial firmado com o Ministério Público, pelo qual se comprometeu a fazer medições de temperatura e, em caso de calor excessivo, a conceder pausas para descanso térmico

 

Araraquara - O Ministério Público do Trabalho ajuizou ação de execução para cobrar uma multa de R$ 112 mil da multinacional espanhola Abengoa Bioenergia Industrial Ltda. por descumprimento de acordo judicial. A usina desrespeitou a cláusula firmada perante a Justiça do Trabalho, em conciliação com o MPT, na qual se comprometeu a fazer a medição de temperatura nas frentes de corte de cana-de-açúcar e, se observado calor excessivo, a conceder pausas para descanso ou até suspender as atividades, dentre outras obrigações.

A Abengoa foi alvo de ação civil pública, movida pelo procurador Rafael de Araújo Gomes no ano de 2012, pela qual o MPT pedia o legítimo cumprimento da Norma Regulamentadora nº 15, do Ministério do Trabalho e Previdência Social. A norma impõe o cumprimento de medidas de proteção térmica aos trabalhadores expostos ao calor, que laboram em ambientes a céu aberto. Em junho de 2014, contudo, a usina espanhola concordou em celebrar acordo nos autos da ação, comprometendo-se a efetivar medidas de proteção e segurança no corte de cana manual.

Dentre as cláusulas assumidas constavam a obrigação de conceder quatro pausas diárias, em horários específicos, computadas como tempo de serviço; efetuar periodicamente a medição da temperatura ambiente, mediante o uso de equipamento específico para tal fim; caso a temperatura alcance 36,5ºC, proceder à interrupção das atividades de imediato e conceder pausas a cada 30 minutos, até que a temperatura tenha uma redução; suspender atividades em caso de temperaturas iguais ou superiores a 37ºC; suspender o trabalho se a umidade do ar for igual ou inferior a 12%; e proceder à aclimatação e treinamento dos cortadores de cana.

Durante a fiscalização do cumprimento do acordo na safra de 2015, o Ministério Público observou que a Abengoa vem mantendo os sistemas de medição adulterados, uma vez que não são registradas corretamente as temperaturas nas frentes de trabalho, conforme provas documentais colecionadas nos autos. 

“Foram verificadas flutuações irreais de temperatura em poucos minutos, além da presença de anotações apenas dois horários por dia. Há registros em que, após uma leitura que observa temperatura acima de 36,5ºC, é anotada uma segunda leitura dois minutos depois. Por óbvio isso não deveria acontecer, pois os trabalhos estariam suspensos em razão do calor. A falsidade é ainda mais óbvia em outras passagens, que atestam o retorno ao trabalho por diminuição da temperatura, contudo, sem o registro que comprove isso. Tais evidências confirmam o descumprimento do acordo”, afirma Gomes.

Nos relatórios apresentados verificou-se com grande frequência alterações de temperatura em poucos minutos de intervalo (por exemplo, alteração de 32,6ºC para 36,8ºC em apenas dois minutos). “Certamente que ou os aparelhos utilizados encontram-se descalibrados, ou a tecnologia utilizada é de qualidade deficiente, ou os operadores não estão utilizando-os corretamente. De forma muito preocupante, levando em conta a onda de fortíssimo calor experimentada atualmente no estado de São Paulo, o sistema de monitoramento de calor adotado pela Abengoa mostra-se evidentemente errático e instável”, observa Gomes.

Intimada pelo Ministério Público, a multinacional negou estar descumprindo o acordo judicial e manifestou a recusa de tomar qualquer providência. Na petição à justiça, o procurador mostrou-se preocupado com a conduta da empresa frente às previsões do Inmet, que apontam temperaturas acima dos 40ºC para o estado de São Paulo.     

“Nessas condições de calor avassalador, a resistência da Abengoa em monitorar corretamente o agente de risco e proceder às pausas assumidas por acordo judicial constitui promessa segura de consequências devastadoras à saúde dos cortadores envolvidos na safra em curso, situação que precisa ser imediatamente corrigida, sob pena de risco à própria vida dos trabalhadores”, alerta o procurador.

O processo tramita na Vara do Trabalho de Porto Ferreira.

Processo nº 0011939-63.2015.5.15.0048

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