Mantida condenação de R$ 1,3 milhão a grupo usineiro por prática de dumping social

Funcionários da Usina Santa Isabel e da Santa Luzia Agropecuária eram submetidos a jornadas exaustivas de trabalho de até 12 horas, sem direito a descanso, refeição ou acesso à água potável; segundo inquérito, rés se utilizavam da supressão de direitos trabalhistas para aumentar o lucro

Campinas – Os desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região mantiveram a condenação da Usina Santa Isabel S/A e do seu braço agrícola, a Santa Luzia Agropecuária, ao pagamento de indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 1,3 milhão devido à prática de “dumping social” por meio de atos ilícitos e rotineiros que resultavam em prejuízos à saúde e à dignidade de milhares de trabalhadores em nome de resultados financeiros. O montante será destinado a projetos, iniciativas e/ou campanhas que revertam em benefício dos trabalhadores, a escolha do Ministério Público do Trabalho, autor da ação civil pública.

A decisão de segunda instância também determina às rés que encerrem a terceirização das atividades de corte mecanizado de cana-de-açúcar, que concedam intervalos intrajornadas e descansos semanais previstos na lei, além de regularizar o sistema de controle de pontos. O descumprimento das obrigações acarretará multa de R$ 500 por trabalhador submetido a irregularidades, montante que deverá ser revertido em favor do próprio trabalhador. Cerca de 5 mil pessoas se beneficiaram do acórdão do TRT.

A ação civil pública foi movida pelo procurador Rafael de Araújo Gomes, do Ministério Público do Trabalho em Araraquara, após denúncias de que as rés procuravam maximizar o lucro por meio da eliminação maciça de direitos dos trabalhadores, dentre eles a prorrogação da jornada normal acima do limite permitido e a terceirização de atividade-fim, visando à precarização do trabalho. A prática é conhecida como “dumping social”.

De acordo com depoimentos colhidos pelo MPT no inquérito, grande parte dos empregados das usinas trabalhavam 12 horas por dia, duas vezes por semana, e nos dias restantes cumpriam jornadas de 8 horas sem direito a intervalos para refeição e descanso, contrariando o artigo 7, inciso XIV, da Constituição Federal, que prevê jornada de 6 horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva.

Ao mesmo tempo em que extrapolavam o limite legal da jornada diária, o MPT constatou a prática permanente da adulteração dos cartões de pontos, com anotações de horários uniformes nos pontos de milhares de funcionários, que começavam e terminavam as jornadas ao mesmo tempo, sem variações, prática conhecida como “ponto britânico”.

Diligências realizadas pelo MPT em propriedades pertencentes às empresas também flagraram funcionários terceirizados trabalhando em condições degradantes, com ausência de água potável, instalações sanitárias, local para refeições e equipamentos de proteção, além da falta de kits de primeiros socorros.

Dumping social – no acórdão, a juíza relatora Daniela Macia Ferraz Giannini confirma, com base nas provas juntadas pelo Ministério Público no processo, que de fato houve a supressão de direitos trabalhistas em prol do lucro das empresas, sendo a prática utilizada para reduzir custos de produção e, dessa forma, dominar o mercado, “oferecendo produto com preço mais competitivo, muitas vezes impossível de ser acompanhado pelos empregadores concorrentes que não adotam referida prática”, e ainda cita a incoerência advinda da relação entre a conduta das rés e a concessão de selo de responsabilidade social pelo governo federal.

“A concessão às requeridas, de selo de responsabilidade em relação ao compromisso nacional de aperfeiçoar as condições de trabalho na cana de açúcar, e o investimento nas ações e projetos sociais por elas apontados, não afastam a constatação da sonegação de direitos trabalhistas elementares, por amostragem em relação a alguns empregados, comprovadora de que essa é a prática empreendida, de forma geral, em relação aos trabalhadores que lhes prestam serviços. E todos os elementos caracterizadores do dano coletivo cuja reparação é objeto da ação, foram delimitados e individualizados pelo Ministério Público, ao apontar as irregularidades cometidas pelas requeridas”, escreveu a magistrada.

Durante o julgamento da ação no TRT, o procurador Fábio Messias Vieira contribuiu para consolidar o entendimento dos desembargadores acerca da acusação do Ministério Público, por meio de sustentação oral. Cabe recurso ao Tribunal Superior do Trabalho. 

Processo nº 0001149-22.2012.5.15.0049

Imprimir